Reportagem e fotos: Everton Sylvestre e Paulo Beraldo - De Olho no Campo
GARÇA e SÃO PAULO, 25.10.2018 - Não é preciso muito esforço para perceber que o café é a principal atividade agrícola de Garça, cidade do centro-oeste do Estado de São Paulo. Ao se aproximar do município, o típico verde claro dos canaviais que rodeiam as estradas paulistas vai dando lugar a milhares de cafezais. Ao todo, são 12 mil hectares. Em 2018, eles devem produzir 300 mil sacas de café em um município que tem relação com esse grão desde o primeiro dia de sua história: há 94 anos.
Os cafezais já ocupavam o território antes mesmo de Garça ser fundada. Os moradores estão tão naturalizados que nem notam o quanto a vida no município está atrelada ao grão. Logo na primeira rua da cidade, acumulam-se empresas agrícolas e revendas agropecuárias. No centro, um monumento remete à colheita do café. Carros de representantes de empresas de implementos e insumos agrícolas também são frequentes no centro.
A corretora de cafés fica bem no meio da tranquila cidade de 44 mil habitantes. O grão está no sabores produzidos na casa do artesão, na história das famílias garcenses e nos cafezais que começam a poucos metros da cidade e se espalham por quilômetros até outros municípios de uma das regiões que mais produziu café na história mundial.
Nos anos 1970, a Organização Internacional do Café (OIC) chegou a ter dois presidentes de Garça. Hoje, a entidade também é liderada por um brasileiro, José Dauster Sette, dada a força do País, que produz um terço de todo o café consumido no planeta. Hoje, a cidade responde por 6% da produção estadual. Quando somados os outros oito municípios produtores da região, como Cafelândia e Pirajuí, o número chega a 10% da produção de SP, que gira em torno de 4,4 milhões de sacas.
Levando em conta a zona rural e as empresas cafeeiras, o café gerou R$ 300 milhões no município em 2017 - ou quase 20% do PIB de Garça. É consenso entre moradores e autoridades que Garça só existe por conta do café. Das 840 propriedades agrícolas locais, mais de 455 produzem café, segundo Victor Leonel Neubern Mafud, secretário de Agricultura e Meio-Ambiente da cidade (SAMA).
“O impacto do café é enorme no comércio e no dia a dia da cidade. Já teve porcentagem maior no PIB antes de as indústrias eletroeletrônicas e alimentícias chegarem, mas o café não diminuiu: os outros setores é que aumentaram”, avalia o secretário de Agricultura de Garça, Victor Leonel Neubern Mafud.
O comércio da cidade estende o horário de funcionamento no primeiro sábado do mês por ser o final de semana em que os trabalhadores da zona rural e - principalmente do café - recebem seus salários. No município, há plantação de café em pequenas, médias e grandes propriedades. O café é a cultura predominante, inclusive, na agricultura familiar - mais da metade dos cafeicultores são pequenos produtores.
O secretário comenta que a Prefeitura tem realizado ações para estimular agricultores a melhorarem a qualidade de sua produção. “Fazemos palestras e eventos. E o concurso de qualidade do café visa isso. Também estamos melhorando estradas de terras em regiões produtoras para ajudar os produtores”, complementa.
Na volta de uma das propriedades rurais visitadas pela reportagem, Mafud pede para parar o carro e observar: De um lado, pasto. Do outro, café. Ele aponta a diferença e enfatiza que, embora o clima da cidade seja propício para o café, muitas áreas estão subutilizadas, com finalidades menos rentáveis. “Temos espaço para chegar a 20 mil hectares de café. Esses hectares têm aptidão e hoje estão ocupados com outras atividades agrícolas”, explica.
O município de 556 quilômetros quadrados conta, além dos cafezais, com 80 cachoeiras que podem ser melhor exploradas na rota turística que a Prefeitura busca desenvolver em torno do café. A cidade dispõe ainda de 100% de água e esgoto tratados - metade das cidades do Brasil não conta com isso - e tem ainda a 15ª maior reserva da Mata Atlântica em área urbana do País.
Além disso, projetos realizados em parceria entre a faculdade de agronomia local e a escola técnica agrícola do município estimulam alunos a plantarem hortas em casa e realizarem compostagem de lixo. Também há hortas comunitárias em prédios da prefeitura e em escolas.
O diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, diz que a região de Garça foi sempre uma produtora importante de café na história do Brasil. "A região toda é um polo. Dali saíram grandes quantidades de café tanto para a exportação quanto para o mercado interno", disse.
Ele diz que o Brasil vive uma "maré" de investimentos em cafés especiais e que Garça também vivencia esse movimento. "Vem crescendo nos últimos 10 anos. A região de Garça sempre participou ativamente de concursos de qualidade e isso ajuda a elevar o nível do produto e dos produtores", disse. Segundo a ABIC, o Brasil tem hoje 320 marcas de cafés gourmet registradas. "Em 2004, quando começamos o programa de qualidade, eram 13", diz Nathan Herszkowicz.
O clima agradável de Garça, bom para a produção de café, ocorre porque o município está no ponto mais alto do planalto ocidental do Estado de São Paulo. A altitude média é de 663 metros. A temperatura na cidade fica entre 17 e 30 graus. O café produzido no município é 100% arábica. Conforme a variedade e o ponto do território em que é plantado, o grão apresenta singularidades. O café dali é caracterizado por ter gosto doce e largo - quando o sabor permanece na boca por mais tempo.
As principais variedades produzidas no município são icatu amarelo, ouro verde - grão que também é amarelo - e os vermelhos: obatã e mundo novo. Entre as características do café de Garça destacam-se o cítrico-caramelo, com corpo presente e equilibrado e acidez suave.
Luiz Salutti, cuja corretora de cafés está instalada no centro da cidade, lembra que consumidores de diferentes regiões do mundo têm preferência por características de café distintas. O corretor explica que, em comum, os consumidores sempre querem que o café tenha "bebida boa", mas variam com relação a outras características do grão.
"Os clientes dos Estados Unidos e de uma parte da Europa preferem corpo médio com acidez alta, que destaca os açúcares. Já consumidores da Itália e Turquia preferem corpo médio com acidez média", explica o corretor, que tem a missão de encontrar o consumidor com maior interesse em cada tipo de café apresentado pelos produtores que atende. Quanto maior for a afinidade do consumidor com o produto apresentado, mais ele estará disposto a pagar.
Salutti descreve que os cafés especiais são classificados assim levando em conta o aspecto, que precisa ser homogêneo, o número de defeitos e a bebida. "Para ser especial, o café tem que ser colhido no ponto ideal, passar por seca em bancada suspensa. Tem um ponto de torra diferente do comum: mais claro, em que se pode perceber melhor as características", observa.
"É um conceito novo de colheita e torra que está se expandindo. É a tendência, o futuro. E nós queremos estar dentro deste futuro", pontua o corretor Luiz Salutti.
Salutti conclui que mesmo o produtor que se dispõe a produzir café especial, dentro dos quatro meses de colheita, terá uma parte de sua produção como café comum; e que, junto com a ampliação dos cafés especiais, Garça continuará sendo referência na venda de café commodity. "Mesmo o que não seja café especial, tendo uma qualidade maior, tem valor maior", aponta.
Turismo e identificação geográfica no radar
Em busca da identificação geográfica (IG) de Procedência dos Cafés da Região de Garça, que valorizará o produto e a região, o município vive um momento extraordinário. Diferentes setores da sociedade, secretarias municipais e o próprio prefeito estão empenhados no resgate histórico da relação entre a trajetória de Garça e o café. O lançamento oficial do processo de IG ocorreu na cidade em 18 de outubro.
Junto com o lançamento, foi realizado o 1º Concurso Qualidade do Café da Região de Garça. Mais uma vez, investidores internacionais estiveram na cidade. Os lotes dos cafés que venceram o concurso foram arrematados em leilão por R$ 1.200 a saca.
A secretária de Cultura de Garça, Susy Mey Truzzi, conta que em meio a esse entusiasmo proporcionado pela busca da IG, as pessoas passam a descobrir mais sobre suas próprias origens. "Estão percebendo que não é só o proprietário da fazenda que teve participação no começo da história da cidade, que os antepassados de sua família também fizeram parte", relata. Com a busca e reunião de documentos que comprovam a relação histórica do município com o café, moradores passam a conhecer melhor quem foram seus ancestrais: como chegaram até Garça, o que faziam. Esses documentos e fotos reunidos agora poderão ser disponibilizados em museu posteriormente.
Garça contou com uma importante imigração japonesa no início de sua história. Há 110 anos, vários navios de imigrantes chegavam no Brasil vindos do Japão. Muitos desses imigrantes foram trabalhar nas lavouras de café. A presença de elementos da cultura oriental se mantém na cidade até hoje, incluindo o tradicional Cerejeiras Festival, que ocorre em junho e é o maior evento do tipo no Brasil.
Entre as mudanças almejadas, Garça trabalha para se tornar um polo turístico. Uma das metas mais ousadas é proporcionar uma rota para o turista conhecer a cadeia produtiva do café, que possa atrair visitantes o ano todo. O projeto de identidade visual do município foi aprovado pelo Conselho Municipal de Turismo e passa a ser implantado gradativamente, com os símbolos das placas de indicações turísticas que devem ser espalhadas para facilitar o acesso dos turistas dentro da cidade. O pedido de certificação como Município de Interesse Turístico (MIT) já foi aprovado pela Secretaria Estadual de Turismo e agora aguarda votação na Assembleia Legislativa do Estado de Paulo – ALESP.
A identificação geográfica deve proporcionar também aumento direto no lucro dos produtores de café de Garça. Com o indicador, a saca do grão garcense já ganha automaticamente mais valor. Prefeito da cidade, João Carlos do Santos diz que Garça quer ocupar um espaço de destaque no cenário nacional da cafeicultura até 2025.
"Precisamos potencializar o mercado de café e agregar valor a essa cadeia. Existem grandes oportunidades”, diz. No momento, a prefeitura estuda a possível substituição do achocolatado servido no leite para os alunos das escolas pelo café garcense.
“Vamos fazer com que Garça amplie ainda mais sua força no café, que é uma atividade econômica muito importante, e tentar desdobrar isso de forma intensa no turismo e nos eventos. Vamos ser reconhecidos como referência não só para o café de São Paulo, mas de todo o Brasil. A ideia é ocupar cada vez mais espaço”, afirma o prefeito João Carlos do Santos.
Segundo ele, há marcas próprias, pequenos produtores torrando seu café e disponibilizando bebidas especiais. O prefeito enfatiza a importância de não se distanciar da origem da cidade, que é vender o café commodity. “A questão é mesmo desenvolver um novo nicho. É um município de interesse turístico e através dessa ferramenta podemos desdobrar para a cafeicultura. Temos muitas nascentes, áreas preservadas e lavouras de café que podem ser visitadas”, afirma.
Associação local estimula mercado de cafés especiais
Nos últimos anos, Garça tem sido palco de um movimento que ocorre em várias regiões cafeicultoras: a busca pelo aumento da qualidade da produção, o que tem dinamizado a economia e atraído investimentos.
Com crescimento médio de 20% nos últimos seis anos, o segmento de cafés especiais vive hoje no Brasil o seu melhor momento. É de olho nessa oportunidade de mercado que agricultores locais estão aproveitando para reinvestir na atividade que chegou a colocar Garça entre um dos maiores produtores do mundo em um passado não tão distante.
Um estudo de 2017 da agência de pesquisas Euromonitor Internacional estima que o mercado brasileiro de cafés especiais deve crescer 15,7% por ano até 2021, quando movimentará R$ 3,9 bilhões. Os dados mais recentes disponíveis, de 2016, indicam R$ 1,7 bilhão em negócios.
De janeiro a setembro de 2018, o Brasil exportou 23,6 milhões de sacas de café. Desse total, 4,2 milhões de sacas - ou 17,6% - foram de cafés diferenciados. O número aumentou 22,5% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
Para Rodrigo Godoi, consultor da Euromonitor, há duas razões para a tendência: mais investimentos ao longo da cadeia produtiva e maior interesse dos consumidores. “É uma expansão forte devido a investimentos de empresas novas e das já existentes. Esse mercado, apesar do alto crescimento, ainda não é totalmente conhecido dos brasileiros”, avalia Godoi, ressaltando o potencial.
Em Garça, uma associação de produtores de cafés especiais busca promover o consumo da bebida e valorizar a imagem do grão local. Seu presidente, Cassiano Tosta, é um entusiasta do segmento. Na cidade, havia 10 produtores de cafés especiais em 2017. Em 2018, o número saltou para 30.
Cassiano Tosta, presidente da Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Região de Garça, diz que é importante que as pessoas consumam, conheçam e tenham orgulho da região como produtora de café.
Cassiano acredita que a associação tem que atuar na promoção de cursos para e capacitação dos produtores locais. “O agricultor e a cidade precisam conhecer a riqueza que têm em mãos”. Uma das ideias do grupo é criar um café autoral de Garça com o selo de qualidade da associação para ser comercializado nas empresas, no comércio local. Pela proposta, a cada mês seria vendido o lote de café de um produtor diferente, aproveitando para se contar um pouco da história desse agricultor.
Ele defende um nível de exigência alto para que a qualidade local seja reconhecida, com adoção de certificações, boas práticas e produção sustentável. Afirma que, em geral, o produtor pequeno é que deve focar na produção de cafés especiais, já que, pela margem, o grande consegue boas rendas com o café commoditty.
“Temos que fazer o resgate dessa história. A população tem que se tornar uma multiplicadora do nosso café e formadora de opinião. Temos que apresentar o café para visitas, ter orgulho, procurar o café de Garça nas padarias. Um movimento de dentro para fora”, diz Cassiano Tosta, presidente da Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Região de Garça.
Segundo o produtor, com a mobilização da sociedade será possível concretizar o fortalecimento da cidade nos cafés especiais. Para ele, a chegada da identificação geográfica ajudará. “Vai elevar ainda mais a qualidade porque vamos criar um comitê regulador dos padrões, definir critérios e pontuações para ter certificação. Tudo para agregar valor, com origem, história, certificação”.
Investidor
O produtor José Carlos de Moraes Filho, conhecido na cidade como Zito, explica que um dos motivos pelos quais é importante trabalhar com diferentes variedades é que os grãos ficam em ponto de colheita em diferentes etapas do ano. “Isso permite um melhor manejo da lavoura”, diz ele.
Na diversidade de perfis de produtores de café que há no município, Zito é um exemplo de profissional que escolheu investir no café e em Garça por identificar uma oportunidade promissora. Ele buscava investir numa área em que pudesse desenvolver uma cadeia de negócios. Começou passo a passo, plantando sua lavoura de café no município em 2003, com as ruas de café já projetadas para a era da mecanização que apontava. No ano seguinte, em sociedade com outros produtores, fez a primeira torrefação.
Os produtores de Garça têm encontrado diferentes formas de agregar valor ao café e compartilham as experiências entre si. Enquanto alguns optam por exportar, Zito prefere se aperfeiçoar na torra e apostar no mercado nacional.
“Somos o maior produtor e o segundo maior consumidor do mundo. Temos que aprender a fazer torra. Para agregar valor tem que ir para os lados industrial e comercial do café”, defende o cafeicultor José Carlos Moraes Filho, o Zito.
Ele observa que têm sido oferecidos cursos e que os produtores estão começando a se interessar pela ideia de torrar o café em Garça mesmo. Na torrefação que montou na fazenda, Zito processa seu próprio café e presta serviço para parte dos produtores locais. Ele faz questão de trabalhar totalmente de acordo com a legislação fiscal: “Pode reclamar que o custo é alto; mas se a gente não aprender a lidar com isso, é melhor não ter o negócio. Senão, não há controle”, aponta.
Com o fim da colheita manual na fazenda, Zito emprega hoje oito funcionários na propriedade, dois na torrefação e 25 na distribuição. Os 300 mil pés de café que mantém produzem entre 2.500 a 3 mil sacas por ano. Ele tem lojas de venda de café e locação de máquinas em cidades da região de Campinas. Outra parte da produção leva para colocar em cápsulas em uma indústria de Cravinhos, mais ao norte do Estado.
A fazenda de Zito segue os padrões de sustentabilidade e tratamento adequado aos funcionários requeridos pela auditoria internacional, contratada para certificação. O forno da torra é ecológico, não emite poluentes. 30% do território da propriedade é destinado para área de preservação. Zito adquiriu recentemente uma área vizinha, que era usada para pecuária, e já prepara a terra para expandir sua lavoura de café.
Família de pioneiros aposta na inovação
Paulo Granchelli outro produtor que decidiu apostar nos especiais. Sua família foi pioneira na produção de café na região e ele repete os passos de seus antepassados - agora, na produção de grãos especiais. Acreditando na possibilidade de proporcionar para o mercado internacional uma bebida feita apenas com o café de Garça, sem misturas com outros grãos, Granchelli passou a pesquisar como preparar grãos especiais.
Participando de fóruns de comércio internacional, conseguiu fechar contrato com um cliente espanhol. Hoje o produtor tem procura maior do que o total que produz - de quebra, ele conseguiu eliminar os atravessadores e vende direto para seu cliente na Europa. Segundo ele, isso estabeleceu algo que não tem preço: a troca de experiências diretamente entre produtor e o consumidor europeu. Desta maneira, pode ouvir o que o cliente quer e ver sua satisfação com o café consumido.
Após realizarem uma visita técnica ao município em 2017, os compradores espanhóis, da empresa Coffee Center, fecharam contrato com o produtor garcense. A decisão levou em conta a qualidade, pureza e as práticas socioambientais apropriadas adotadas na produção. Posteriormente, o comprador articulou o lançamento do Café Fazendas da Região de Garza, em uma grande feira de alimentação da Europa. O evento ocorreu em abril deste ano. Uma comitiva de produtores e autoridades de Garça, com recursos próprios, esteve na feira.
Mesmo sem a visita, já seria possível conhecer cada etapa do processo: do cultivo e tratos dos cafezais até a chegada do produto na Europa - tudo por meio do sistema de rastreabilidade para segurança alimentar adotado. “Todos os talhões da fazenda são identificados e tudo é registrado. O dia da colheita, quando foi secado, por quanto tempo. O acesso é por uma plataforma digital que os clientes podem usar. Tudo o que aconteceu com o grão ele pode saber por ali”, explica.
A presença dos clientes nas fazendas do município faz parte do intercâmbio de culturas que entusiasma Granchelli, entre a cidade produtora e os consumidores do café de Garça.
Panorama dos cafés especiais no Brasil
Em 2017, o Brasil consumiu 489 mil sacas de cafés especiais e, em 2021, esse número deve passar de um milhão de sacas. Além do mercado interno, o governo brasileiro tem trabalhado para levar o café brasileiro mais longe. No fim de julho, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) assinou um convênio de R$ 14 milhões com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) para promover os cafés especiais no exterior. Um dos principais alvos será o mercado asiático.
“Vamos assumir a liderança do mercado de cafés especiais nos próximos anos em volumes e em valores. Estamos trabalhando a qualidade e a sustentabilidade com os consumidores”, projeta Vanusa Nogueira, diretora da BSCA.
Roberto Jaguaribe, presidente da Apex, afirma que na China o consumo de cafés especiais tem crescido. “Esse é o grande mobilizador da imagem do café”. Para ele, a estratégia é válida porque esse mercado ainda é jovem e tem 1,4 bilhão de consumidores. “Temos a oportunidade de ocupar um espaço que ainda não é de ninguém”, afirma. Jaguaribe defende a necessidade de o País criar uma marca de café brasileira para ter mais valor agregado e critica o fato de muitas pessoas ao redor do mundo beberem cafés de alta qualidade provenientes do Brasil sem saberem disso.
“É por conta da nossa qualidade que entramos com solidez em marcas importantes como Illy, Nespresso e Starbucks. Quando compram cafés dessas marcas, estão comprando café brasileiro, mas não sabem”, afirma ele. “O Brasil domina o mercado de café há 200 anos, mas estamos longe de ser o país que mais tira dinheiro do café”, diz Jaguaribe, afirmando que é preciso mudar esse cenário.
Brasil: ‘vários países em um só’
Um diferencial do Brasil na produção de cafés especiais é sua dimensão: o País consegue produzir grão com qualidades desejadas por vários mercados. “É como se tivéssemos vários países dentro do Brasil. São muitas regiões com diferentes características oferecendo cafés que têm sido muito bem aceitos”, diz Nelson Carvalhaes, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
“Esse mercado de cafés especiais, que é de nicho, está crescendo muito em regiões como Europa, Ásia e Oriente Médio. O Brasil e seus produtores têm muito a ganhar”.
Para Carvalhaes, são vários os fatores que conferem qualidade ao café brasileiro. No campo, cita variedades adaptadas às diferentes regiões, novas técnicas de condução e nutrição da lavoura, além de trabalhos de colheita e pós-colheita eficientes.
Cooperativas promovem melhoria da qualidade
Maior produtor de café do planeta, com cerca de ⅓ da produção mundial, o Brasil tem hoje 104 cooperativas dedicadas ao grão e cerca de 260 mil produtores em todas as regiões. “O café está entre os principais produtos comercializados diretamente pelas cooperativas brasileiras no mercado internacional, ultrapassando o montante de US$ 700 milhões no ano de 2017”, diz João Prieto, analista econômico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
“Um dos grandes diferenciais das cooperativas é o fato de as pessoas se unirem para se fortalecerem economicamente, ganhando maior eficiência, economia de escala e mais espaço no mercado”, afirma João Prieto, analista da OCB.
Ele cita que as cooperativas auxiliam com prestação de serviços e fomento à tecnologia por meio de assistência técnica. “Isso resulta em maior renda e melhor qualidade de vida aos cooperados, colaboradores e familiares, além de beneficiar também a comunidade onde as cooperativas estão inseridas”, diz.
Carlos Paulino, presidente da maior cooperativa de café do Brasil, a Cooxupé, comenta que entre os 14 mil cooperados em 213 cidades de Minas Gerais e São Paulo, o interesse por produzir especiais só cresce. Por isso, a cooperativa intensificou o trabalho com palestras e eventos com informações sobre certificação da produção e melhora na qualidade do grão.
“Ter um produto melhor faz toda a diferença porque dá para vender com preço mais alto e aumentar o lucro. É bom para a cadeia produtiva e para a região, que recebe mais investimentos”, diz Carlos Paulino, presidente da Cooxupé.
Presidente da cooperativa Minasul, Rafael Magalhães acredita que hoje o maior desafio é estruturar o mercado de cafés especiais. Ele faz uma comparação com o segmento de gado de elite. “Às vezes, o produtor tem um animal que vale muito, mas faz um desses só de vez em quando. Com o café é parecido", diz o dirigente da Minasul, que tem seis mil cooperados.
“Queremos dar uniformidade a esse mercado, permitindo uma forma de o produtor conseguir cafés especiais com mais frequência e também inseri-los com mais facilidade no mercado, aumentando sua renda”, comenta Rafael Magalhães, presidente da Minasul.
Assim, os produtores podem focar em produzir e preparar os cafés, sem ter de preocupar-se indo atrás de compradores, que seriam garantidos pela cooperativa. “Aí acaba um pouco com aquela agonia de não saber quando e para quem vender. É como um mercado futuro de cafés especiais, sob demanda”.
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Paulo Beraldo