Há 59 anos que Évora se habituou aos seus monges e às badaladas que pela meia noite os chamam à oração. Este mês, despedem-se da cidade alentejana. Trocam Scala Coeli (a escada do céu), por Santa Maria de Montalegre, nos arredores de Barcelona.
Na verdade os monges chegaram a Évora no século XVII. Vieram habitar o mosteiro mandado edificar pelo Arcebispo D. Teodósio.
Um recolhimento que seria quebrado em 1834. A expulsão das ordens religiosas ditou a nacionalização do convento. Será necessário esperar 132 anos para que os hábitos brancos de S. Bruno regressem ao Alentejo e habitem de novo o recolhimento do claustro. Tal foi possível em 1960, através da vontade de Vasco Maria Eugénio de Almeida, o conde de Vil'alva que tinha adquirido as ruínas do mosteiro.
O portão fechado e o letreiro, são suficientemente explícitos quanto ao recolhimento que querem manter.
O telefone ou o sino permitem chamar o monge porteiro. Ele tem mais a função de receber os pedidos de oração e pequenos recados, do que abrir as portas...
Ainda assim, o irmão António abriu-nos o acesso à clausura e a possibilidade de perceber como vivem os Cartuxos estes seus últimos dias em Scala Coeli.
Dentro, o grande claustro... Ele é a convergência das celas, é ponto de passagem para passos sem pressa... num dos recantos, encontramos o Padre Antão Lopez para uma última conversa.
Outubro de 2019 será o derradeiro mês. A escassez de vocações e o reduzido número de monges em Scala Coeli, ditou a sua partida para Barcelona
Por aqui, o relógio tinha apenas a função de ordenar o silêncio e de o intercalar com os momentos comunitários de oração. Évora habituou-se a estas badaladas... Em contra ciclo, quando a cidade se deitava, levantavam-se os monges para rezar na capela.
Tantos anos em Portugal... levaram a que estes espanhóis, sintam agora na hora da partida, o que é afinal a saudade...
O irmão António é um cartuxo mais atarefado com as coisas deste mundo... é ele que está sempre atento a quem se abeira do portão da Cartuxa e interpela os monges pelo sino ou pelo telefone...
É o único português na Cartuxa de Évora... é costureiro, alfaiate e, nesta escada do céu, vai zelando para que não faltem algumas utilidades deste mundo aos que aspiram às coisas do alto...
Também ele parte para Espanha, deixando para trás a proximidade para com os que se abeiravam do portão ou dos estudantes de arte que diariamente ali se deslocam para desenhar a fachada da igreja.
O Padre Antão Lopes assegura que apenas levarão o que trazem no corpo...
A biblioteca ficará onde está e como está...
Os livros serão testemunhas dos que os estudaram e servirão para a comunidade que vier habitar este lugar.
O refeitório receberá agora outros homens ou mulheres de Deus que aqui continuarão uma presença monástica...
Talvez as orações dos cartuxos perdurem, apesar da diferença dos carismas ou da cor dos hábitos.
A meio da tarde, os sinos convidavam para as Vésperas...
Um gesto metódico, executado há décadas... e uma corda sineira na eminência de ficar apenas pendurada já sem braços que a façam acionar o sino para avisar a comunidade e lembrar à cidade que há quem reze nesse momento...
São já poucos os que o sino por aqui convoca...
O cadeiral tem muitos lugares disponíveis, mas não há quem tenha a coragem e a força para os ocupar...
Quem a teve, está velho e fraco.
O importante não é ser cartuxo... o que importa é cada um ser melhor. (Padre Antão Lopez)
Credits:
Henrique Matos / Ecclesia