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Caranguejos, caranguejeiros e seus movimentos por Lucas Coelho Pereira

“Tudo no mundo tem que ficar sabido, porque se não se acaba”. Foi assim que um antigo caranguejeiro no Delta do Rio Parnaíba me justificou as artimanhas dos caranguejos com o mangue e seus predadores humanos. Esses crustáceos raramente vivem em buracos retilíneos. Fazem voltas, escondem-se em cavernas de terra sob o solo – os rebancos – e até largam as patas quando se vêem terrivelmente ameaçados. Para os catadores, se isso não é prova da inteligência desses bichos, o que seria?

A esperteza dos caranguejos – expressa em suas práticas de habitação nos manguezais – requer dos caranguejeiros habilidades e movimentações específicas para capturá-los. Além disso, o próprio ato de adentrar o mangue envolve-os em relações que considerem a agência de viventes diversos – para além do caranguejo. As andanças e movimentações dos meus anfitriões, portanto, nos apresentam formas corporificadas de conhecer e interagir com outros mais que humanos.

A proposta deste ensaio é seguir diferentes momentos do caminhar de Querido, Luíz, Antônio João, Lelía e Zito, os protagonistas da narrativa visual. As imagens também fazem parte da minha pesquisa de doutoramento, realizada ao longo de doze meses de campo entre os anos de 2018 e 2020 em áreas adjacentes e internas à Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba. A presente investigação integra ainda um projeto de pesquisa mais amplo – “Ecologia política da pesca de crustáceos em manguezais no nordeste brasileiro” – realizado pela Fundação Joaquim Nabuco (MEC).

Adentrar o mangue requer cuidado e atenção. É preciso usar fumaça para proteger-se de insetos, equilibrar o peso do corpo e vasculhar o espaço com os olhos. Há caranguejos por toda parte, o desafio é localizá-los. Na imensidão do mangal, eles se fazem visíveis através de pistas deixadas na lama.
Pegar caranguejo é um trabalho solitário. Ainda que diversos catadores se preparem em turmas, eles se separam ao entrar no mangue. Preferem andar por lugares sem pegadas de botas. As movimentações de seu Luiz, portanto, consideram não só os rastros dos caranguejos, mas também dos parceiros humanos.
Sob o solo, o braço de Antônio João percorre outros labirintos. Quando o caranguejo faz morada em locais de difícil acesso, diz-se que ele está (ou é) “enrascado”. Situações assim são comuns. Não por acaso, comuns também são as reclamações de dores nas costas, na lombar e nos nervos das mãos.
Querido me dizia que os caranguejos estão cada vez mais fundos. Acossados, eles se escondem – falou. Há cerca de vinte anos, era possível pegá-los só com o braço. Hoje, Querido e todos os outros se utilizam ainda do “cambito”, um vergalhão de ferro cujo manuseio implica certos movimentos.
Lelía me disse preferir mangues onde possa se movimentar mais livre. Em certos locais do Delta, há predominância do mangue siriba que, diferente do mangue vermelho, permite caminhar e capturar caranguejos sem que se tenha que lidar constantemente com o ato de se equilibrar nas raízes.
No Delta do Parnaíba, o tamanho mínimo estabelecido pelos órgãos ambientais para a captura do caranguejo-uçá é de 6 centímetros em algumas áreas e 7 em outras. Pegar espécimes menores que isso, “pega mal”. Não apenas legalmente, como também perante compradores, clientes e outros caranguejeiros.
Caranguejo é bicho perseguido. Além dos humanos, macacos-pregos, gaviões e, inclusive, outros crustáceos, são grandes apreciadores de sua carne. Este é o caso das corredeiras: elas cavoucam feridas abertas nos caranguejos durante a captura, levando-os à morte antes mesmo de saírem do mangue.
O preço de uma corda – quatro caranguejos – depende do tamanho dos bichos, do local de venda e da época do ano. Nos meses de agosto a setembro, Zito venderia as 15 cordas capturadas por ele a R$3,50 cada.

Ciclo de Ensaios Fotográficos

O ensaio exposto é um dos 13 trabalhos selecionados em 2020 para o Ciclo de Ensaios Fotográficos promovido pelo IRIS - Laboratório de Imagem e Registro de Interações Sociais.

Através de oficinas, ciclos de mostras, apoio a projetos de pesquisas, atividades de ensino e empréstimo de equipamentos a professores, pesquisadores e estudantes vinculados ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, o IRIS estimula a capacitação e a produção de conhecimento acerca da relação entre a prática antropológica e o uso da linguagem audiovisual e fotográfica em várias dimensões.

Se você faz parte da comunidade do DAN e deseja empregar os recursos técnicos e a linguagem fotográfica ou audiovisual em sua pesquisa, venha nos conhecer.

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