As ‘Olimpíadas’ dos Tapajós Distante da Rio 2016, disputa esportiva mobiliza 220 atletas indígenas
Texto e fotos de Kelly Lima
A menos de um mês da abertura dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, outra disputa esportiva, no coração da Amazônia, mais precisamente na Vila de Alter do Chão (PA), ofereceu no final de semana um contraste inusitado desses Brasis que não se conhecem. Em meio a cuias de tacacá, cocares, amuletos e redes estendidas entre as árvores, modalidades olímpicas como canoagem, natação e futebol, se mesclaram às inusitadas disputas da Peconha, Cabo de Guerra ou da Corrida de Tora, durante a final dos I Jogos Indígenas do Baixo Tapajós, que reuniram 220 atletas de 13 etnias em paralelo ao 22o Festival Borari, que acontece anualmente.


A ideia dos jogos foi aproveitar o ano olímpico para “oficializar” disputas informais que já aconteciam entre os povos indígenas durante o Festival, e criar um calendário festivo e esportivo que teve eliminatórias ao longo dos últimos três meses, e deverá se repetir a cada dois anos.



Mas bem distante dos custos bilionários dos jogos no Rio, sua infraestrutura e das marcas famosas envolvidas nele, os patrocinadores não apareceram nos jogos indígenas. A sede da final dos jogos foi dividida entre o próprio Rio Tapajós e um campo de várzea. Os custos foram bancados pela venda de artesanato, cervejas, comida nos intervalos e especialmente por leilões de brindes oferecidos por comerciantes locais. Uma noite para quatro pessoas no melhor hotel da cidade, por exemplo, teve sete lances ofertados a partir de R$ 50 e saiu por R$ 220.


Se faltaram as clássicas logomarcas em uniformes ultratecnológicos, sobraram pinturas tribais em dorsos nus, ou acompanhadas de camisetas personalizadas com as cores de cada grupo étnico, agrupados por localização. A torcida viajou através do rio Tapajós, ocupou como pôde as escolas locais oferecidas como alojamento e compareceu em massa às disputas, com gritos de guerra de incentivo aos homens e mulheres da tribo, mas também de protesto. Contra a construção de hidrelétricas no tapajós, contra o garimpo ilegal, contra madeireiros, contra a exploração de suas terras.

Deixaram o protesto apenas na hora de incentivar os atletas. Na peconha, por exemplo, é mantida a tradição de colher o açai escalando o açaizeiro a partir de um artefato de cipó (peconha) enrolado nos pés. A tensão é grande, mas naquela hora a torcida vale para eles não caíram lá de cima. Não importa se é ou não concorrente. O fair play também é colocado à mostra no Cabo de Guerra, quando a falta de um atleta para compor a equipe é suprida por um membro de outra etnia.

Nos dois dias, algumas flechas acabaram perdidas no meio do campo de provas, curandeiros se uniram à equipe médica para recuperar da fadiga vítimas da meia maratona, e os raros aparelhos celulares - tão comuns em nossos dias – tinham como principal função, não os famigerados selfies, mas seus cronômetros ou vídeos de tira-teimas ao final das provas competitivas. Se bem que até para isso, a técnica rudimentar se mostrou mais precisa, como a exigida contagem em palmos do juiz para definir se o tamanho da canoa vencedora da prova estava dentro das especificações.


Preocupados com a contagem final dos pontos, que iria lhes render um troféu de madeira, os povos ali representados pouco sabem dos Jogos Olímpicos. Ouviram falar da Tocha, que passou pela região, e se perguntaram por que não tinham uma também. Sim, eles têm energia, assistem TV, e muitos usam o Facebook. Mas queriam saber como poderiam se inscrever para participar das olimpíadas e quantos representantes indígenas a equipe brasileira possui. Não fui capaz de responder.
