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Debate sobre sistema de governo pontuou impeachment

Nelson Oliveira, da Agência Senado

Um subproduto natural da crise que acabou no impeachment de Dilma Rousseff foi a volta do debate sobre a mudança do sistema de governo. O prolongamento da agonia da presidente, somado ao quadro partidário fragmentado, reacendeu o ânimo dos parlamentaristas, que se pronunciaram com vigor sobre o tema e apresentaram duas propostas de emenda à Constituição.

A PEC 32/15, encabeçada pelo senador Fernando Collor (PTB-AL), recebeu 29 apoios; A PEC 9/2016, apresentada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), obteve a adesão de 27 colegas. Com os dois autores, o número de parlamentares que apoiam pelo menos a discutir o tema chega a 58, o que significa 71,6% das cadeiras na Casa e supera os 3/5 necessários à aprovação de uma emenda à Constituição, ou seja, 49 senadores.

O argumento central dos parlamentaristas é o da instabilidade inerente ao chamado presidencialismo de coalizão, no qual o chefe de governo tem de buscar apoio em um leque de partidos, o que exige muitas concessões, e por vezes o imobiliza. Nos Estados Unidos, onde o sistema também é presidencialista, só há dois partidos de fato, o Republicano e o Democrata, o que torna mais fácil administrar a base parlamentar, na suposição de que o partido que vence as eleições também obtém maioria no Congresso.

O termo presidencialismo de coalizão foi criado pelo sociólogo Sérgio Abranches no célebre artigo de 1988 sobre “o dilema institucional brasileiro”: como fazer conviver com eficiência o presidencialismo e o pluripartidarismo, este umbilicalmente associado ao sistema de eleições proporcionais.

Quando Abranches escreveu o texto, o Brasil tinha 13 partidos representados na Câmara dos Deputados, quatro deles com mais de 5% de cadeiras, o que ele não considerou muito, então. Até por avaliar que o processo eleitoral acabaria restringindo o ingresso de “legendas de ocasião”. Atualmente, e depois de muitas mudanças nas regras eleitorais, há 25 partidos com representação na Câmara, sendo que oito deles têm, no mínimo, 5% das cadeiras. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estão registradas outras dez agremiações partidárias. O Brasil tem, portanto, 35 partidos aptos à disputa.

“Se não houver redução de partidos, nós teremos cada vez mais dificuldade para construir maioria parlamentar. E a história demonstra que, quando você não constrói maiorias, você colabora com as crises. É por isso que o presidencialismo de coalizão tem sido ao longo da história do Brasil uma fábrica de crises”, observava em 31 de março do ano passado o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em entrevista à Rádio Senado.

“Temos um sistema autodenominado ou denominado de presidencialismo de coalizão que já está exaurido esgotado, não tem mais nada a oferecer e torna obrigatório ao parlamento uma reforma política eleitoral”, disse na mesma entrevista o à época líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE). “Uma democracia não pode conviver com 40 partidos” concluiu, por sua vez, o líder do PSD, Cássio Cunha Lima (PB), que na ocasião defendeu a reforma do sistema eleitoral para proibir coligações e estabelecer cláusulas de barreira com base no desempenho dos partidos nas urnas, de modo a fazer desaparecer agremiações com poucos votos.

Cerca de um ano antes, em junho de 2015, com a PEC da autoria de Fernando Collor já protocolada, a adoção do parlamentarismo recebera duas críticas contundentes, embora com argumentos distintos, em razão de outra proposta, da lavra do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em prol da manutenção do presidencialismo, o senador Alvaro Dias (Pode-PR), àquela altura no PSDB, alegou que o parlamentarismo exige “partidos fortes”. Um possível menosprezo do Congresso à vontade popular animou a linha argumentativa do senador Lindbergh Farias (PT-RJ): se em 1993, os eleitores disseram não ao parlamentarismo, por meio de um plebiscito previsto na Constituição de 1988, só uma nova consulta à população poderia mudar o sistema de governo.

O plebiscito de 1993, contraditaria em setembro o senador Dário Berger (PMDB-SC), foi “controverso”. Isto é, não explicitou a vontade popular e acabou deixando o país exposto à crise observada durante o segundo mandato de Dilma. Citando o ex-senador Paulo Brossard, morto cinco meses antes, Berger, classificou o parlamentarismo como o mais adiantado e mais moderno entre os sistemas de governo. E sublinhou entre as razões “a maior clareza dos programas partidários e o aumento dos obstáculos à corrupção”, conforme a Agência Senado. “O presidencialismo se mostra cada vez mais inadequado diante da pluralidade da sociedade moderna e da complexidade de um país como o Brasil. O parlamentarismo impõe negociações permanentes ao Congresso com diferentes segmentos da sociedade. E maleável e flexível” afirmou.

Marco Maciel e Orestes Quércia defendem o presidencialismo durante campanha para o plebiscito de 1993 (foto: Daniella Bizerra/Arquivo BG Press)

O plebiscito de 1993 também foi alvo de objeções por parte do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), atualmente no cargo de Ministro das Relações Exteriores. Segundo o parlamentar, aquela consulta teria sido precária, do ponto de vista das informações e alternativas oferecidas aos votantes por não especificar, por exemplo, alternativas de parlamentarismo, de modo que se pudesse antever as possibilidades de funcionamento do novo sistema. À Rádio Senado, Aloysio disse em 15 de março de 2016 que o parlamentarismo não era solução para a atual crise política por que passava o país, mas serviria como saída para “crises institucionais semelhantes”.

“O parlamentarismo aumenta a responsabilidade do Congresso Nacional para com a estabilidade do país, mas é um sistema mais flexível, que permite adaptar o Executivo às mudanças na opinião pública, no apoio congressual e nas necessidades do país”, ponderou o senador, com a ressalva de que seria necessário ampliar a representatividade do Congresso por meio do voto distrital.

Autor da PEC 9/2016, que prevê um parlamentarismo misto, no qual o presidente continua eleito pelo voto popular, e mantém muitos poderes, Aloysio disse que a “experiência de 1963”, quando o Brasil retornou ao presidencialismo, depois de 17 meses de um sistema de gabinete, não foi “meditada”. Havia um clima de instabilidade, para o qual teria cooperado o próprio presidente João Goulart, que insistia em ter seus poderes de volta, depois de ceder aos militares por causa da ameaça de golpe de Estado. Antes do plebiscito que reinstituiu o presidencialismo, o Brasil teve três primeiros-ministros: Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima.

O primeiro-ministro Tancredo Neves (E), com Juscelino Kubstchek (D), na primeira reunião de um gabinete parlamentarista da história brasileira. Foto: Reprodução/FGV)

No dia 3, em meio à crise política e institucional do país, o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Justiça (CCJ), senador José Maranhão (PMDB-PB), evocou o período parlamentarista dos anos 60 para deixar claro sua opinião de que o sistema de gabinetes não era a saída adequada para o momento. “Poderia ser para o futuro. Já criamos um parlamentarismo de circunstância artificialmente [durante o governo João Goulart], na ânsia de resolver uma crise política, e serviu apenas para desmoralizar esse sistema de governo”, ponderou Maranhão em uma reunião daquele colegiado na qual se discutia a conveniência de comissão especial para tratar da mudança de sistema de governo.

Proposta de discussão do parlamentarismo mobilizou a CCJ em março de 2016 (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

A instância de debates, criada em 3 de fevereiro daquele ano a pedido do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), com 41 apoios, ainda não funcionou. Ela teria a missão de elaborar uma proposta sobre o sistema de governo com amplo debate parlamentar para, se aprovada, ser submetida a referendo popular. As duas PECs apresentadas, uma delas com o apoio de Valadares, estão aguardando relatores na CCJ. Assim como na proposta de Aloysio, a de Collor não dá um caráter decorativo ao presidente, que teria a primazia de encaminhar à Câmara dos Deputados o nome de um candidato a primeiro-ministro para ser aprovado por maioria absoluta.

Autor de outra PEC, já arquivada, tratando do mesmo assunto, Collor compartilha da ideia de que o parlamentarismo diminui as chances de crises institucionais, além de permitir “muito maior controle da sociedade sobre o governo, por meio da constante presença do chefe do Executivo chamado ao Congresso Nacional para dar explicações sobre as políticas e as ações do governo”.

Renan, então presidente do Senado, comentou sobre as crises do presidencialismo antes do julgamento de Dilma (foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

O tema do parlamentarismo voltaria à baila pouco antes do início da sessão que apreciaria o pedido de abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em entrevista no dia 11 de maio, Renan Calheiros, defendeu a realização de reforma política para garantir maior estabilidade a o país. Para ele, o Congresso Nacional deveria apoiar a realização de reformas "estruturantes" caso o vice-presidente Michel Temer assumisse o governo. “É fundamental o Legislativo cumprir seus compromissos com o Brasil e fazer as reformas. Se não fizermos a reforma politica e não atualizarmos a Lei do Impeachment, vamos ter vários eventos semelhantes a esse na nossa história” advertiu o então presidente do Senado.

Renan disse que em todos os momentos torcera para que o pedido de impeachment não chegasse ao Senado, por intuir que levaria a um processo "longo e traumático". A crise política em curso demonstraria mais uma vez as falhas do regime presidencialista. "Por isso estou cada vez mais parlamentarista", declarou.

No dia de seu julgamento no Plenário do Senado, o termo “parlamentarismo” foi trazido à cena pela própria Dilma Rousseff: “O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País.”

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