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Mátria: uma ópera das gentes Em 2016, nascia um projeto que se inspirava nos escritos de Miguel Torga para criar uma ópera dedicada à região transmontana e duriense. Em 2021, a obra sobe a palco.

A entrada referente a "Mátria", no dicionário da Língua Portuguesa, diz apenas que é a "designação dada à pátria, numa perspetiva feminina ou feminista", a "terra onde alguém nasce", um "lugar a que pertence algo ou alguém". O projeto "Mátria" é isso tudo: é produzido na região e para a região.

Partindo dos escritos de Miguel Torga, especialmente dos livros "Contos" e "Novos Contos da Montanha", "Mátria" é uma história contada na linguagem das pessoas da região, mostrando que, tal como o escritor de São Martinho de Anta dizia, "o universal é o local sem paredes".

Recuemos a 2016...

Inquieta - Agência Criativa/Direitos Reservados

Eduarda Freitas. É ela a grande responsável por esta empreitada.

Tudo surgiu quase como um desafio próprio. Afinal, até pode ser fácil escrever um livro, mas é certo que não há muita gente a escrever libretos. Muito menos, mulheres. E Miguel Torga foi o passo natural...

São histórias que refletem e contam coisas muito maiores, maiores do que qualquer um de nós.

Começou então a primeira fase de "Mátria": o simples prazer de escrever.

O objetivo inicial nem era levar o libreto a palco: era um "exercício de escrita" baseado nas "histórias do dia-a-dia" de Miguel Torga e que foram sendo integradas: "São histórias que refletem e contam coisas muito maiores, maiores do que qualquer um de nós", sublinha a autora, acrescentando que "podem pertencer a qualquer pessoa do mundo".

E se estas histórias podem pertencer ao comum dos mortais, a ópera também o deve ser: "As pessoas têm uma ideia de que é algo muito elitista, mas quando surgiu, era um espetáculo muito popular". Eduarda Freitas quis recuperar essa característica, trazendo as pessoas da região e dando-lhes a "oportunidade de participar" e "ver por dentro como é que as coisas se fazem", até porque a autora ela própria também gosta de participar: "Em miúda, gostava de saber como é que as coisas se faziam e não tinha a oportunidade, porque Vila Real tinha pouca oferta", relembra.

Começa então a segunda fase de "Mátria": envolver as pessoas em "algo bonito".

Lino Silva/Inquieta - Agência Criativa/Direitos Reservados

Levar a "Mátria" a palco é uma ideia que surge depois de Eduarda Freitas falar com diversas pessoas que lhe deram o impulso necessário: "Percebemos que era possível fazer da "Mátria" uma ópera, mas seria mais fácil e útil envolver a comunidade, de forma que soubessem que estávamos a construir uma coisa acessível a todos".

Para conseguir chegar à população, foi feito um trabalho de divulgação que contou com o apoio da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A instituição apoiou a iniciativa, viabilizando a escrita da música e toda a parte comunicacional inicial. Para chegar a mensagem de que se estava a criar uma ópera, envolveram-se grupos locais, juntando mais de duzentas pessoas. "Andámos na rua a cantar músicas do Fernando Lapa, compositor da ópera, para dizer 'Estamos a construir uma ópera e somos muitos'", lembra.

Inquieta - Agência Criativa/Direitos Reservados

O entusiasmo passou para a população. Os ensaios já estavam em marcha.

Mas algo trava o projeto...

“Na convicção dessa mudança inevitável, de consequências imprevisíveis, resolvi aproveitar o interregno (...). Mais uma vez a minha ancestralidade calcorreadora vinha à tona. (...) Seria agora a altura de sentir pulsar o seu quente coração austral".

-Miguel Torga in "A Criação do Mundo" (1948)

Mas tudo muda em 2020, a terceira grande fase.

A agência criativa "Inquieta" candidata a "Mátria" a um concurso da Direção-Geral das Artes. Numa primeira fase, o projeto não é contemplado. Mas surge a pandemia de COVID-19 e, com isso e como forma de apoio, aquele organismo do Ministério da Cultura repesca diversos projetos. A "Mátria" foi um dos contemplados e isso fez com que Eduarda realizasse uma procura ainda mais afincada de financiamento.

"Tivemos ainda mais apoios que foram surgindo", relembra a autora, sublinhando um dos que deu um maior impulso ao projeto: o da Presidência da República. "Não é um apoio monetário", mas dá "projeção". Freitas diz que o alto patrocínio foi atribuído devido à "importância artística e cultural do projeto".

A partir, daí, foram conseguidos outros financiamentos para que o projeto fosse levado a palco. Desde a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) ao Município de Vila Real, passando pela junta de freguesia e ao Conservatório Regional de Música daquele distrito transmontano, várias entidades foram-se juntando ao projeto cedendo instalações para os ensaios ou apoiando financeiramente para a sua concretização..

Além de um coro da comunidade, que se viu reduzido "devido à questão da pandemia", quem vai assistir à ópera vai testemunhar também a estreia de uma orquestra criada propositadamente para a "Mátria".

"Mátria" é agora um projeto que sobe a palco, com uma história simples como as gentes de Trás-os-Montes, mas que partilha diversas semelhanças com as peripécias que a própria ópera teve de enfrentar:

"A história começa com um menino, que ouve uma história contada por um homem mais velho com muita experiência:

"Na barriga de um monte, existe um tesouro e que bastam duas palavras para o abrir e descobrir!

E a criança cresce sempre a acreditar que é possível! E não desiste! Essa criança cresce, sai, volta, envelhece, entrega-se totalmente!"

- Eduarda Freitas, autora do libreto

A estreia de "Mátria" acontece já no próximo dia 17 de dezembro, no Teatro de Vila Real, inserida nas comemorações do vigésimo aniversário da elevação da região do Douro como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO. O espetáculo terá também outras duas sessões em Vila Real, nos dias 18 e 19 de dezembro, e outra sessão no Teatro Municipal de Bragança, a 20 de fevereiro. A entrada é totalmente gratuita!

Ficha artística

"Mátria - Aqui na Terra", a partir de um libreto de Eduarda Freitas

Composição: Fernando C. Lapa || Encenação: Angel Fragua || Direção Musical: Jan Wierzba || Cantores: Ana dos Santos, Coro da Comunidade, Job Tomé, Madalena Tomé, Mário João Alves, Moços do Coro, Paulo Lapa, Regina Freire, Tiago Matos || Músicos: Douro Strings Academy, Luís Duarte (pianista correpetidor). Orquestra Sinfónica de Trás-os-Montes || Figurinos: Cláudia Ribeiro || Promotora: Inquieta - Agência Criativa || Parceiros: Antena 2, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Conservatório Regional de Música de Vila Real, Direção-Geral das Artes, Fundação Casa de Mateus, Junta de Freguesia de Vila Real, Município de Bragança, Município de Vila Real, Quinta de Ventozelo, Régia Douro Park, Teatro de Vila Real, Teatro Municipal de Bragança || com o Alto Patrocínio de Sua Excelência, o Presidente da República.

Credits:

Carlos Araújo/Lino Silva/Inquieta - Agência Criativa/Direitos Reservados