Moda Agender A liberdade de se vestir como forma de expressão

por Juliana Moutinho, Maria Eduarda Vaz e Nathália Silveira

2 de novembro de 2016. Feriado, dia de Finados. Contrariando todas as expectativas, o sol estava brilhando e a sensação térmica no Rio de Janeiro era de 49°C. No centro da Cidade Maravilhosa, na Praça Mauá, próximo ao painel de grafite do artista Eduardo Kobra, alguns passantes olham curiosos para os dois meninos que posam para uma câmera e concedem entrevista. Neste caso, o que chama a atenção são as roupas dos entrevistados.

Um deles veste uma saia longa de estampa tribal com cores quentes, uma blusa branca básica e tênis Redley. Este é Renan Collier, de 19 anos, estudante de Produção Cultural no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), em Nilópolis. O outro veste uma blusa de meia manga listrada, estilo navy e comprida, que se passa por um vestido e cobre o short azul marinho curto. No pé, mocassins azuis com detalhes em marrom. Este é Ralph Campos, também de 19 anos e colega de Renan no IFRJ. Renan e Ralph são namorados e adeptos da moda agender.

Renan Collier, 19 anos e adepto a moda agender

Agender significa, em inglês, “agênero” ou “sem gênero” e se refere a uma nova tendência na moda, que prega a ideia de que roupas são apenas roupas e que não devem ser separadas entre femininas e masculinas. As peças são mais neutras, confortáveis, democráticas e podem ser usadas por toda e qualquer pessoa que se sinta à vontade para usá-las. Para Ralph, o termo para descrever o estilo é utilizado em inglês pois não carrega a separação binária intrínseca ao português.

“A gente prefere usar gender em inglês porque o português tem uma coisa binária muito forte. É o gênero. Preferimos agender porque se afasta disso, dessa separação, desse binarismo”, diz Ralph.
Ralph Campos, 19 anos e também adepto a essa moda

O estilo agender não é uma criação recente e tem uma concepção diferente do ultrapassado termo “unissex”, que era utilizado para se referir a algo que podia servir para ambos os sexos, já que a palavra faz menção a um sexo só e a proposta agender é justamente não se prender à existência de feminino e masculino e permitir que, inclusive aqueles que não se identificam com nenhum dos dois sexos binários, possam se vestir de maneira confortável (não de um ponto de vista literal, mas sim pessoal e emocional), livre e representativa.

“Para a gente, é isso: a moda agender é a roupa não ter gênero. Você usa a roupa que você quiser, a que você se sente confortável em usar. Se você é homem e você se sente confortável usando uma calça, você vai usá-la, mas se você se sente confortável usando uma saia sendo homem, você vai usá-la”, diz Renan.

A tendência agender não se refere apenas a uma maneira de se vestir, mas sim a um comportamento de determinados grupos e simpatizantes desse estilo. Para a estudante de Publicidade e Propaganda da ESPM RJ Juliana Calazans, de 22 anos, que está realizando seu trabalho de conclusão de curso sobre o lançamento de uma marca agender e que também é adepta dessa tendência, esse estilo é uma maneira de os usuários, que em sua maioria são jovens, "se reinventarem, irem contra os preconceitos da sociedade, levantarem a bandeira das minorias e de se expressarem vestindo o que quiser", afirma a estudante.

Juliana Calazans, 22 anos, estudante de Publicidade e Propaganda da ESPM e também adepta a essa moda

A percepção de que a moda vai além do seu jeito de vestir e que representa um comportamento também faz sentido para Ralph, que vê na moda agender uma forma de se expressar e, consequentemente, se conectar com outras pessoas. "Quando eu entendi que a moda está muito além de uma sessão de roupas numa loja, que eu posso ir muito além do que a loja me oferece e do que o mercado quer que eu seja, comecei a me sentir mais livre, entender que a moda agender está ligada a liberdade, a expressão que não se importa e que não tem objetivo de se encaixar em nada. Você encontra os seus, que estão muito mais ligados a um comportamento do que necessariamente ao que você está vestindo", destaca ele.

A ideia de roupas mais democráticas, livres e representativas já é bem aceita e disseminada entre determinados grupos como, por exemplo, aficionados em moda e LGBTs. No entanto, ao contrário da liberdade pregada pelo estilo, muitos de seus adeptos já tiveram que abrir mão de suas roupas agenders por conta da falta de compreensão e empatia da maior parte da sociedade. "Num dia que usei saia, [eu e Ralph] passamos por um ponto de mototáxi e os mototaxistas mexeram bastante com a gente, de modo que eu parei e pensei que era melhor trocar por um short e continuar nosso caminho de short”, contou Renan.

“Eu não me senti mais confortável usando a saia naquele momento, mesmo que eu geralmente me sinta muito à vontade com ela.” (Renan Collier)

Outra dificuldade que os adeptos da moda agender encontram é a empatia das marcas. Grandes lojas já tentaram adaptar seus modelos, mas não acertaram. A C&A foi uma delas. Ao criar a linha “Misture, Ouse e Divirta-se", partiu de um discurso de liberdade de escolha, mas, na hora de organizar a loja, não conseguiu acertar. “No comercial, tinha um cara de vestido, aí eu pensei que pelo menos um vestido ia ter na seção masculina, mas não tinha. Todos os vestidos continuavam na seção feminina”, conta Ralph sobre o episódio. Ele explica que as lojas já começam errando quando separam os setores em “feminino” e “masculino”, já que essa não é a intenção. “É uma loja de roupas. É roupa. Se você gostou daquela peça, vai ter aquela peça para você”, diz ele.

Quando a marca faz uma campanha que segue os princípios corretos de agender e acerta também na hora de expor os produtos, ela é muito cara. “A intenção dos estilistas é muito legal, mas aí você vai ver o preço das peças e um vestido custa R$ 500. Acaba não sendo acessível para todo mundo”, reclama Ralph. O estudante ainda ressalta a importância dos brechós para eles, já que “as roupas ficam ali todas juntas, sem divisão entre masculino e feminino. Você vai lá e compra o que você quiser”.

A separação das roupas em seções femininas e masculinas também é um ponto negativo na visão de Juliana, que durante as pesquisas para seu trabalho de conclusão de curso entrevistou diversas pessoas que reforçaram o quão negativa ela é. "Elas acabam comprando em brechó ou em loja de departamento, mas quando compram ouvem uma piadinha e tal. Várias pessoas relatam que já ouviram coisas do tipo 'nossa que estranho', conta Juliana. A própria Juliana já passou por situações desagradáveis como essas quando foi experimentar roupas da seção masculina. "A vendedora falou assim 'mas é masculino', e aí eu disse que eu tinha gostado e ela continuou insistindo que era masculino”, relembra ela sobre o dia.

Renan relata outro problema das lojas: os vendedores. “Se você for na seção feminina, gostar de um vestido e for lá comprar, a mulher do caixa já vai te olhar feio. ‘É para a sua namorada? Quer que embrulhe para presente?’ Não, moça, obrigado”, conta Renan. Além disso, segundo Ralph, é muito difícil para um homem experimentar uma roupa da seção feminina. “Acho que está faltando o pessoal entender que ninguém precisa comprar em caixinha nenhuma”, diz. Renan complementa dizendo que as marcas “precisam conversar com quem usa para entender”, afirma.

O problema é que a sociedade é toda moldada e constrói as pessoas. É preciso desconstruir os preconceitos” (Renan Collier)

A falta de opções oferecidas pelas marcas é um ponto reforçado por Juliana. “A moda agender era para ser algo mais livre, com mais estampas, saias, vestidos, terninho, tudo. A pessoa que vai escolher o que usar”, diz a estudante. “Acho que ainda falta diálogo com os consumidores”, afirma.

A estudante Amanda Rodrigues, de 20 anos, afirma que não conhece a tendência agender, mas que usaria peças nesse estilo. “Eu já uso blusões jeans, que acho muito confortáveis. Eu sempre tive como prioridade conforto e não padrão masculino ou feminino”, afirma. Apesar disso, ela não esconde que já estranhou a tendência. “Um dia desses eu vi um menino usando uma saia longa na faculdade. Primeiramente, eu achei muito estranho, mas depois pensei que ele deveria estar se sentindo confortável”, conta.

O estranhamento por parte da maioria da sociedade está presente na vida de Renan e Ralph de maneira recorrente e, por conta disso, eles utilizam o estilo agender menos do que gostariam. “A gente acaba usando menos porque as pessoas estranham muito você entrar num trem de saia em uma segunda-feira de manhã”, afirma Renan. “A gente está muito vulnerável ali. E mesmo que, em nosso círculo, sejamos aceitos, ainda tem muita gente que vê isso com maus olhos, que encara o diferente como perigoso", afirma Renan. Ele enfatiza que, apesar disso, continua usando saias e vestidos e que, por mais que alguns comentários e atitudes sejam negativos, é importante não se deixar abalar. "Já nem ligo muito para os olhares feios”, garante.

O contato de Renan e Ralph com outras pessoas de mentalidades e ideais semelhantes possibilitou a formação do “O Batom Verde”, um grupo de pessoas que se propõe a dar mais visibilidade às minorias. “A gente fala que o Batom Verde é um grupo que cobre ações e produções e faz ações e produções que valorizem a vivência das minorias”, diz Ralph. A escolha da cor do batom, uma marca registrada do grupo, não é por acaso. “A gente tem muito essa questão de tentar fugir do binarismo na moda. Não queríamos batom rosa ou vermelho porque isso traz a representação da boca feminina. A gente pensou no azul, mas ele tem a conotação masculina. Então, encontramos o verde”, esclarece Ralph. Além disso, ele explica que a cor, na bandeira LGBT, representa a natureza. “Pensamos que nada seria mais irônico do que tentar burlar o socialmente ‘natural’ com a cor da natureza na nossa boca”, acrescenta Renan.

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