Essa reportagem venceu o prêmio de jornalismo da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear)
Paulo Palma Beraldo
26/07/2017 - CAMPINAS - Os primeiros meses de 2017 deram novo fôlego para o setor de transporte aéreo de cargas, que amargou quedas consecutivas nos últimos três anos. No ano passado, foram transportadas 419 mil toneladas no mercado doméstico - o mesmo patamar de 2009, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Mas a expectativa da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) é de que a demanda aumente em 170 mil toneladas até 2022. No primeiro semestre deste ano, a Abear indica que a alta no volume movimentado foi de 7,2%.
Ideal para cargas de alto valor agregado como eletroeletrônicos, medicamentos, produtos refrigerados, esse tipo de transporte evolui conforme a economia local e global. Segundo a Abear, as variações do PIB são responsáveis por 85% das mudanças da demanda pelo transporte de cargas aéreas.
O principal aeroporto de cargas do Brasil é o de Viracopos, em Campinas, responsável por 40% do transporte de cargas aéreas. Ali são embarcados, além de itens de alto valor agregado, cargas vivas e outros produtos de origem animal e vegetal, como sementes e sêmen.
Uma das exportações mais frequentes é a de material genético de aves. No primeiro semestre deste ano, o Brasil exportou 408 toneladas de pintinhos e 5.550 unidades de ovos férteis, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Os números são, respectivamente, 27% e 12% superiores aos registrados no mesmo período do ano passado.
“Além do principal fornecedor de carne de frango, o País se tornou uma plataforma de exportação de material genético e é um mercado muito promissor”, avalia o diretor da divisão de aves da ABPA, Ariel Mendes. “Nosso material genético é capaz de desenvolver linhagens avícolas com ótima produtividade”, acrescenta. Cerca de 10% do frango produzido no mundo todo tem genética do Brasil e a expectativa é de crescimento com abertura de novos mercados como China e América Central, diz Ariel Mendes.
Os principais compradores de pintinhos no primeiro semestre foram Paraguai (59%), Equador (15%) e Peru (6%). Já as importações de ovos férteis foram para Senegal (27%), Paraguai (20%) e Emirados Árabes (19%). É pelo aeroporto de Viracopos que saem a maior parte dos ovos férteis e pintinhos para mais de 50 países.
“Todo esse transporte é feito por aviões porque a carga é frágil e perecível”, explica André Marcondes, chefe da unidade do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) do Ministério da Agricultura No aeroporto de Viracopos.
Marcondes destaca que o desembaraço aduaneiro de produtos vegetais e animais é tarefa complexa e envolve diversas fases: contato com o país que vai receber o produto, atuação do despachante, coleta de amostras para análise em laboratório, análise e conferência de documentos, aprovação pela Receita Federal e liberação. “A gente procura dar dinamismo, mas sempre cumprindo todos os requisitos, porque é um trabalho de muita responsabilidade”, ressalta.
O Vigiagro de Viracopos é uma das 110 unidades que controlam o fluxo de produtos animais e vegetais do País. Em 2016, só ali foram quase 25 mil pedidos de entrada e saída de produtos de origem vegetal e animal no país. Fernando Mendes, coordenador-geral do Vigiagro, comenta que o objetivo do sistema, distribuído por todo o país em aeroportos, portos e na fronteira, é garantir que as importações e exportações atendam exigências sanitárias para evitar doenças e possíveis prejuízos para a economia brasileira.
‘Indústria de carga tem sido mais lenta para se modernizar', diz porta-voz da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata)
Jason Sinclair, porta-voz da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata) diz que a digitalização de toda a cadeia, sem o uso de tantos papéis, e a adoção de guias de cargas aéreas totalmente eletrônicas, são fundamentais para o desenvolvimento do setor.
“No mundo, a indústria de cargas tem sido mais lenta para se modernizar em comparação com o transporte de passageiros”, diz Sinclair. Para ele, é necessário usar cada vez mais os dados e adotar padrões de qualidade modernos. “Tudo para facilitar a segurança e a eficiência das operações, especialmente com cargas perigosas”.
Neste ano, o comércio de cargas cresceu todos os meses na América Latina em relação ao ano passado. A região responde por 2.8% do transporte mundial de cargas, mas pode crescer. As principais áreas são a Ásia-Pacífico, com 37,4% e a Europa, com 23,5%, segundo a Iata.
O engenheiro Adalberto Febeliano, vice-presidente da empresa Modern Logistics, é um dos que aposta neste mercado. Ele diz que o ramal aéreo responde apenas por 0,4% do transporte de cargas no País. “Poderia ser muito maior. Em países de dimensões similares como Canadá, Austrália e Estados Unidos, essa média chega a até 4%”, compara o diretor da empresa que oferece “logística integrada”: serviços aéreos, armazenagem e transporte rodoviário.
De acordo com a Anac, o Brasil tinha 498 aeronaves em 2016, sendo 20 destinadas apenas à carga. Em geral, são aeronaves que já serviram ao transporte de passageiros, mas envelheceram. Então, é mais barato adaptá-las do que adquirir novos aviões.
Febeliano diz que a maior parte das companhias usa apenas os porões das aeronaves de passageiros para levar cargas, o que causa uma inadequação na oferta. Apesar de o número de passageiros ter triplicado desde 2002, chegando a 88,7 milhões em 2016, as cargas nos porões são limitadas em peso e tamanho. Além disso, devem ser divididas em partes menores porque o trabalho é manual, diferentemente dos aviões cargueiros com estruturas adaptadas para a mecanização.
A maior parte dos voos cargueiros domésticos atende a rota São Paulo-Manaus, ligando o principal mercado consumidor da América Latina a uma importante região produtora de eletroeletrônicos. “O resto do país não tem transporte aéreo regular de cargas”, diz Febeliano. “Não dá para pensar em um país como o Brasil sem transporte aéreo. Se a gente fizer um trem bala de Porto Alegre a Manaus, ele ainda demora dois dias e meio para chegar”, compara.
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Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo