Sr. Elísio 56, Coimbra, desempregado

Baixo, de cabelo grisalho e sempre acompanhado por uma boina, podemos encontrar o Sr. Elísio entre o Chímico e o D. Dinis, no meio de carros e estacionamentos. Se não o virem por lá, procurem-no pelas feiras de Montemor, Condeixa, ou até da Mealhada. Quando a temperatura sobe, troca a boina pelo boné branco e, nas praias da Figueira da Foz, ecoa o seu grito “olhá bola de berlim!”.

“O meu primeiro trabalho foi ser moço de recados, tinha 13 anos. Mais tarde, numa ida ao futebol com o meu falecido pai, encontramos um amigo que vendia nas feiras e precisava de um empregado. Foi a partir daí que comecei a vender confeção”. Em dias de feira, levanta-se às cinco da manhã receoso de que o esquentador lhe falhe mais uma vez. Toma um bom banho para despertar, mais curto quando a temperatura da água lhe parece o mar da Figueira da Foz, e (des)faz a barba. Confessa que a escolha da roupa é sempre fácil, “não tenho muita e pego sempre na que estiver lavada e mais à mão”. Prático com o vestuário, não descura o seu perfume. Pega na boina e sai para comer um bolo e beber um cafezinho no Sr. Abílio, perto da penitenciária. Com o estômago aconchegado, desce o “Quebra” para apanhar o comboio que o leva até aos Casais, onde se encontra com um colega que lhe dá boleia.

Nos dias em que fica por Coimbra, dorme mais duas horas. Dirige-se para o sítio do costume, onde vai assobiando enquanto indica os lugares vazios. O almoço é por conta da Santa Casa, “sempre dá para poupar uns trocos que fazem diferença no fim do mês”. Sportinguista ferrenho e amante de desporto no geral, ocupa o fim do seu dia a ver televisão e a pôr-se a par dos últimos resultados. Quando morava na Conchada, aproveitava os fins-de-semana para jogar snooker num café perto de casa.

O Sr. Elísio sente diariamente o peso da solidão. Sempre que se senta à mesa e que se deita sem ter ninguém a quem dizer “boa noite”, recorda os seis irmãos, nove filhos e quatro netos. “Só me casei uma vez há trinta e poucos anos, mas estou separado há nove”. A ex-mulher bebia, o que o fez desistir do casamento. O seu maior desgosto é não ter uma casa própria onde possa receber os filhos, contudo admite nunca ter sido um pai presente porque a vida nunca o permitiu. “Trabalhei na Holanda e na Alemanha mas acabei por fugir porque eles queriam-me lá à força toda mas eu trabalhava, trabalhava e não via dinheiro nenhum”.

O trabalho de arrumador de carros foi-lhe sugerido pelo amigo Luís, também ele arrumador na zona do Instituto de Medicina Legal, que lhe disse: “se quiseres vais lá para ao pé de mim, ganhas umas lecas e passas o tempo”. E assim é desde há três anos. Dos turistas aos estudantes, passando pelos professores, muitos são os que são ajudados por ele na hora de arranjar estacionamento naquela zona. Nos dias em que não há feira estaciona um carro aqui, outro ali e vai tirando entre 10€ a 15€ por dia. “As pessoas tratam-me bem, cumprimentam-me: “bom dia”, “está bom?”, gosto de estar no meio dos estudantes”. Quando morava na Alta com a filha, era muitas vezes convidado a ir para as repúblicas, para as provas de feijoada e para “patuscadas”. “Conhecia muita malta!”. Hoje vê-a pouco. O mesmo acontece com os nove filhos.

Sobre o futuro, disse-nos que “a política está um caos. Eu sou PS, mas como isto está há dias que nem PS, nem PSD, nem nada! Isto entrou no fundo e agora não conseguem dar a volta à coisa”.

Cada vez mais só, não perde a esperança de encontrar alguém que o faça feliz.

Made with Adobe Slate

Make your words and images move.

Get Slate

Report Abuse

If you feel that this video content violates the Adobe Terms of Use, you may report this content by filling out this quick form.

To report a Copyright Violation, please follow Section 17 in the Terms of Use.