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Mais que assistência Projetos sociais ajudam pessoas em situação de rua todos os dias na cidade do Rio de Janeiro

Foi a partir de um grupo, dentro de uma igreja, de pessoas que queria ajudar na ressocialização de pessoas em situação de rua que surgiu o Projeto SER. Para eles, basta ter vontade de fazer o bem para que tudo se encaminhe da melhor forma. É com essa mentalidade que eles recebem a todos que se interessam pelo projeto, com bom astral durante o trabalho voluntário e tom carinhoso na fala.

Nos fundos de uma igreja bem cuidada em Vila Isabel, fica uma modesta casa dedicada a projetos sociais. Em uma sala tomada por alimentos e roupas para serem doados, Janete Cardoso, uma das idealizadoras do projeto nos explica que todas as terças-feiras esse mesmo grupo se une para cozinhar e preparar pelo menos 50 quentinhas a serem distribuídas para pessoas em dois locais da Tijuca, Rua 28 de Setembro e na Praça Saens Peña.

"Na primeira vez foram 25 quentinhas, distribuímos só por aqui (Vila Isabel) e a partir daí eles começaram a pedir roupas também e nós sempre tentamos atender para ajudá-los da melhor forma. Hoje são cerca de 50 pratos de comida toda semana", conta Janete.

A cozinha é bem organizada, uma mesa de seis lugares é onde as quentinhas são montadas. Em um fogão pequeno estão apoiadas panelas enormes. A preocupação com uma alimentação balanceada é também destacada pelos voluntários. No prato sempre tem arroz, feijão e uma proteína de soja, o último ingrediente varia entre um legume e macarrão, depende do que tiver no dia.

A comida que é comandada por Verônica Sobreiro exala cheiro de feijão fresco. Verônica não é da igreja, mas soube do projeto através das redes sociais, se interessou e hoje é voluntária junto com seu marido. Os dois saem do trabalho às terças e vão se dedicar ao momento de ajuda ao próximo.

O que encanta pessoas dispostas a ajudar, contou Gilberto, um dos idealizadores do projeto, é a ressocialização completa que o grupo busca. Além de comida, itens de higiene e algumas roupas, o Projeto SER conversa com as pessoas em busca de entender os problemas de cada um para iniciar um processo de deixar as ruas. Não é apenas ajudar, é dar assistência, de fato.

Quando há interesse em deixar as condições de rua e buscar um emprego, eles ajudam nesse processo, também oferecem o espaço dos fundos da igreja para que tomem banho. São poucos os que aceitam, segundo Janete, mas ainda assim, deixá-los à vontade torna a relação mais sincera.

O que o Projeto SER mostra e tem como ideia é que muito mais que as ajudas constantes que essas pessoas recebem, elas precisam de oportunidades de se ressocializar, oportunidades de ter de novo uma casa, um emprego e, muitas vezes, se reconciliar com a família.

A questão da ressocialização é fundamental visto que os abrigos que o governo oferece são temporários, ou seja, a pessoa ajudada precisa de subsídios para se reerguer, como destacou Franklin, um dos atendidos pelo SER.

Franklin, homem de 50 anos, era marceneiro e morava em uma casa próxima ao alto da boa vista com sua mulher e filhos, quando foi assaltado e perdeu todo seu material de trabalho. Vítima da violência urbana, esse foi um momento muito delicado de sua vida, o que fez com que ele não conseguisse mais trabalhos, sua estabilidade começou a ruir e, há dois anos, ele é uma das cerca de 14 mil pessoas em situação de rua no Rio de Janeiro.

A instabilidade da falta de emprego desgastou o casamento e Franklin não soube como se reerguer: “a gente nunca acha que vai acontecer com a gente, ir para a rua é impensável quando a sua vida está normal”, afirma ele. Além disso, depois de estar nessa condição, ter persistência para sair dela é ainda mais complicado.

Franklin explica que estar na inércia faz com que muitas pessoas adquiram vícios. “Eu consegui uns bicos no Rio Comprido, e o cara me disse que se eu não bebesse, poderiam ficar lá, mas hoje eu bebi”, conta ele, que ainda reforçou que a ajuda é muito importante a ajuda de todos os projetos, mas que a condição principal de reestruturação é ter novamente uma moradia segura.

São inúmeras as organizações que ajudam moradores de rua, como é o caso de Miriam Gomes, dona da instituição Anjinho Feliz, que faz um sopão uma vez ao mês e entrega para pessoas em situação de rua no Centro do Rio. Ela sempre fez parte de projetos sociais, sempre gostou muito de ajudar as pessoas.

Foi em 2007, quando seus pais morreram, que ela decidiu usar a herança para abrir a instituição que é uma creche e, além disso, ajuda pontualmente pessoas carentes. Neste mesmo ano nasceu o sopão solidário. “Eu vivo de ajudar as pessoas, faço projetos sociais desde 1994. Eu não trabalho, vivo de pensão e amo ajudar as pessoas”, diz ela.

Outro projeto que faz trabalhos com pessoas em situação de rua é o Dois pães e um pingado, que entrega kits com um pão com queijo e manteiga, rosquinhas e uma bebida que varia entre suco, café e achocolatado. Semanalmente, o projeto ajuda cerca de 500 pessoas. O projeto começou ajudando pessoas na Cinelândia, no Centro do Rio e, hoje, está presente também em Niterói, Recife, São Paulo e Curitiba.

"A arrecadação acontece por meio de depósitos bancários ou de suprimentos da lista de compras que disponibilizamos para quem quiser doar", explica Nathalia Ferreira, responsável pelas mídias sociais e coordenação do projeto. Ela também falou sobre a relação com as pessoas nas ruas: "eles são super gentis com a gente. Adoram conversar e até ajudar nas entregas", afirma.

A maior dificuldade dos projetos são as doações, pois precisam sempre estar buscando doadores já que é difícil ter pessoas que doem o ano inteiro. Além disso, o número de pessoas em situação de rua vem crescendo, o que preocupa a sociedade e o governo.

Em 2013, eram cerca de 6 mil pessoas em situação de rua, no final de 2016 já eram mais de 14 mil, o que representa um aumento de 156% em apenas 3 anos. O que é um problema nesta questão é que na cidade do Rio de Janeiro, existem apenas 2155 vagas, em 37 abrigos e dois hotéis para receber essa população. São 15,4% das pessoas atendidas por estes locais, que têm certa rotatividade e não são representativos para ajudar na ressocialização dessas poucas pessoas que conseguem atender.

Esse processo de ressocialização é longo e não é simples, explica Paulo Magalhães, Sociólogo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) que passou com 35 moradores de rua, durante um mês.

“A ressocialização precisa ser feita no local onde as pessoas estão inseridas. Ali elas criam laços, relações de afeto e se unem em grupos como famílias. O ideal seria que eles [pessoas em situação de rua] tivessem acesso próximo a chuveiro e lugares onde tivessem liberdade de se higienizar quando quisessem”, afirma o sociólogo, que ainda acrescenta que tirar essas pessoas da rua é um baque grande, então precisa acontecer com mais naturalidade do que a opinião comum pensa.

Tentar reintegrar as pessoas às suas famílias, muitas vezes é, também um problema, pois muitos saem de casa por problemas e levá-los de volta é reascender esses problemas, segundo Magalhães. “A ressocialização não deve ser feita individualmente, mas em grupo. É uma rede coletiva”, diz ele que defende que tirar as pessoas dos laços que criaram nas ruas é um processo que pode não dar tão certo quanto se for feito em grupo.

Reportagem: Anna Beatriz Dias, Felipe Mota, Giulia Belló, Júlia Faber e Juliana Botelho

Fotos: Imagens cedidas pelas redes sociais dos projetos e tiradas pelos repórteres

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