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O impacto do filtro bolha na produção de conteúdos jornalísticos Conheça os bastidores da notícia e entenda como a tecnologia digital pode auxiliar no trabalho das redações ou mesmo prejudicar a formação da consciência crítica dos leitores

Você já ouviu falar de filtros-bolha? E de como eles influenciam os conteúdos que circulam na internet?

Os filtros-bolha são formados por algoritmos, um mecanismo que monitora, seleciona e direciona conteúdos nos ambientes digitais. Eles é que escolhem o que você vai receber nas suas redes sociais, mantendo você dentro de uma “bolha”. Para isso, esses recursos atuam armazenando e personalizando as informações que são disponibilizadas aos indivíduos na Internet, de acordo com gostos e preferências individualizadas.

Dentro desse contexto, entra um fato bem interessante: o consumo de conteúdo dos usuários é acompanhado pelas redações jornalísticas, como forma de saber que notícias interessam mais a cada público e entender o comportamento dos leitores. E, nessa tarefa, os algoritmos podem auxiliar e muito no trabalho dos jornalistas!

Estar atento às bolhas é um meio de captar sugestões de pautas, oferecer reportagens customizadas, permitir aos internautas encontrar as matérias que desejam com mais facilidade e até serve como alternativa para aumentar o engajamento dos portais de notícias.

A Rafaela Putini é uma entre vários profissionais que se apropria dos benefícios dos algoritmos durante o exercício do seu trabalho. Ela está há quatro anos no Grupo Globo, sendo três desses no G1. Hoje, exerce o cargo de editora de conteúdo web e de redes sociais no portal. Para a jornalista, as redes sociais apresentam a possibilidade de um contato imediato com o público, sendo que essas plataformas atuam como um termômetro, mostrando a opinião das pessoas quanto ao conteúdo e do que sentem falta nos noticiários.

Apesar desse lado positivo, a editora acredita que o uso das mídias sociais pelas empresas jornalísticas pode ser prejudicial, especificamente quando os profissionais no momento da distribuição personalizam em excesso uma matéria, chegando a enviar para apenas um grupo de pessoas. Um exemplo disso na prática seria um conteúdo favorável ao Lula ser enviado majoritariamente para as pessoas com linha esquerdista, deixando, assim, de entregar determinado acontecimento do ex-presidente a indivíduos com pensamentos diferentes.

Ainda, aplicar esses procedimentos na distribuição das matérias leva à alienação, já que temas que necessitam ser debatidos na sociedade podem ficar de fora do interesse pessoal e visualização na web. Tal posição parece confortável e faz com que as pessoas permaneçam na sua bolha, tendo acesso a dados que condizem apenas com seus pensamentos e limitam o repertório cultural. Por isso, de acordo com vários estudiosos da comunicação, o mais recomendado é que repórteres forneçam conteúdos livres e tentem abranger o maior número de vozes para dar ao leitor uma leitura democrática e que auxilie em sua formação crítica.

Outra questão importante quando se trata da relação entre algoritmos e jornalismo é que observar as conversações precisa ser considerado apenas um suporte à atividade jornalística e não encarado como parte integrante. Afinal, nem todo fato que repercute nas redes sociais tem relevância na sociedade, vai de encontro a linha editorial da empresa ou até mesmo está de acordo com o público-alvo.

Prova disso é a vivência profissional de dez anos da produtora de conteúdo e ex-editora das redes sociais do portal G1, Thaís Lima. Segundo a jornalista, um jornal não pode ser pautado apenas pela internet, já que acaba perdendo o senso crítico e a ética. Dessa forma, o jornalista, nesse processo, deve reconhecer seu papel de avaliar os acontecimentos conforme os valores-notícia, ter responsabilidade e não se deixar levar apenas pela audiência ou cliques.

“No G1, por exemplo, todas manhãs e tardes, aconteciam as reuniões de pauta, onde eram discutidos os principais assuntos do dia. Minha equipe tinha que trazer um relatório do que estava sendo falado nas redes. Às vezes, fazíamos matérias sobre o assunto, outros momentos, ele era descartado. O portal lida um pouco desta forma: fala sobre o que os usuários comentam, mas não é o principal motor da produção de notícia”, declara Thaís.

Exemplos na prática

Google Trends, Trending Topics e Social Monitor são as principais plataformas digitais usadas por comunicadores para captar assuntos que podem dar origem às notícias. Em geral, elas mostram os temas que mais estão sendo comentados na web e servem de parâmetro para analisar o comportamento dos usuários na rede. Inclusive, por meio de algumas dessas ferramentas, é possível segmentar tópicos para verificar as tendências por área de conhecimento e escolher as palavras-chave que serão incluídas nas notícias para otimizar a busca dos internautas.

E há vários casos de conversações nas redes que viraram pautas. Um exemplo é o que aconteceu recentemente com o ministro-interino da Saúde, Eduardo Pazuello. Durante entrevista sobre os impactos do novo coronavírus para a TV Brasil, ele relatou que as regiões Norte e Nordeste do país já tinham enfrentado a pior fase da pandemia, tendo em vista que o clima é influenciado pelo inverno do hemisfério Norte. Essa frase estava bem equivocada, uma vez que o território brasileiro está localizado no hemisfério Sul e o inverno começa em julho, diferente dos países do hemisfério Norte.

Matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo / Foto: Reprodução

A notícia surgiu por meio de comentários nas redes sociais, já que o erro de Pazuello fez com que o relato viralizasse rapidamente. Em poucos minutos, o fato teve tantas repercussões que liderou o Trending Topics do Twitter. Vários famosos, incluindo o cantor Marcelo D2, fizeram publicações de piada sobre o ocorrido. Após avaliação dos critérios de noticiabilidade - levando em consideração a relevância do indivíduo que emitiu a frase – o jornal foi pautado e contribuiu até para fomentar ainda mais a discussão acerca do preparo e conhecimento das figuras políticas que estão no poder no Brasil.

Ironia humorada do cantor Marcelo D2 após a declaração do ministro-interino da Saúde / Foto: Reprodução

Outro exemplo é uma matéria feita pelo G1 em 2016. Nela, é abordado o 39° Dia Internacional da Mulher, em que cinco mulheres envolvidas com a defesa dos direitos de igualdade de gênero comentaram sobre movimentos nas redes sociais ligados às causas feministas. E como isso ocorreu?

De maneira inovadora, a partir de hashtags mais compartilhadas e comentadas entre 2015 e 2016, as fontes escolhidas tiveram a possibilidade de fornecer a própria opinião. Foram cinco hashtags explicadas e comentadas durante a matéria: #chegadefiufiu, #vamosfazerumescândalo, #vaitershortinhosim, #somostodosMaju e #vamosjuntas. Todas trouxeram assuntos pertinentes à tona no ambiente virtual, como assédio sexual, cultura do estupro, machismo, objetificação do corpo feminino, racismo e a necessidade da união de desconhecidas contra a insegurança nas ruas.

Prints dos tweets mais relevantes das hashtags #vamosfazerumescândalo, #chegadefiufiu e #vaitershortinhosim, respectivamente / Foto: Reprodução

Além do G1 e Folha de São Paulo, o Folha Vitória, portal presente no Espírito Santo, vem mostrando por meio de matérias que também está por dentro de tudo que acontece nas redes.

E quem prova isso é a Thaiz Blunck. A editora executiva do portal conta que viu os números de engajamento disparar ao ter a ideia de fazer um conteúdo com abordagem um pouco diferenciada do que já estava sendo repercutido pelos usuários na Internet. O assunto? O preço de casar no Cristo Redentor.

Fake News

Com o advento da internet e as distâncias encurtadas, a velocidade com que as mensagens chegam até os usuários é quase instantânea. Ao mesmo passo, também cresce a disseminação da desinformação. Um dos papéis do jornalista é atuar no combate a essas notícias falsas, checando a veracidade dos fatos e esclarecendo-os para a sociedade.

Diante de tal cenário, encontramos outro benefício dos filtros bolhas no jornalismo: eles podem ajudar os profissionais na apuração de informações, pois esses mecanismos conseguem avaliar a repercussão dos assuntos na web. Nesse sentido, ao ver os dados, isso é, analisar pelas plataformas quantas pessoas estão compartilhando determinado fato, é possível medir a proporção que ele está tomando e com isso, adotar providências no que diz respeito a sua validade.

Para o editor-assistente de mídias sociais do jornal Folha de São Paulo, Mateus Camilo, uma das maneiras de desvendar os relatos que surgem no meio virtual e tornar o conhecimento público é por meio da postagem de matérias. Além disso, as redações precisam ter uma equipe especializada e com uma visão ampla de tudo que está acontecendo.

“Para prevenir as fake news, o jornalista precisa ser ativo nas redes sociais e produzir conteúdos a partir do que elas mostram. Afinal, essas reportagens servem para rebater as que não são verídicas e circulam pela rede. O trabalho de apuração deve ser constante e 24 horas por dia”, declara.

Adaptação do jornalista

E como fica a adaptação do jornalista frente aos novos desafios, como algoritmos?

A verdade é que o profissional que não se acostumou, precisa se atualizar. Afinal, todos os dias surgem novos recursos digitais para atender as necessidades dos internautas e facilitar a navegação deles pela internet. Logo, o jornalismo não pode ficar parado frente às novidades.

Essas mudanças devem ser encaradas principalmente como oportunidade, visto que auxiliam no processo de produção de notícias – desde a escolha dos temas que serão abordados pelos jornais até as publicações. Outro ponto a considerar é que as redes sociais são ambientes de discussões que podem ampliar o campo de atuação do jornalista, reconhecendo e valorizando seu dever na sociedade.

Já em relação aos pontos negativos das plataformas, a questão é uma só: equilíbrio. É dosar a personalização no momento de distribuir um conteúdo e não deixar que as conversações sejam o motor principal do portal. Mas sim, vê-las como complemento, sem nunca deixar de olhar pelos critérios de noticiabilidade, como relevância e interesse público.

É importante também destacar que, para as pessoas que nasceram na era digital, o processo de aprendizagem é mais fácil do que para aqueles profissionais mais experientes e com décadas de carreira. Entretanto, de acordo com o Mateus Camillo, em qualquer idade, é preciso se reinventar e acompanhar as tendências para permanecer ativo no mercado de trabalho.

FICHA TÉCNICA DA REPORTAGEM

PRODUÇÃO E TEXTO

KAREN BENÍCIO

MATHEUS METZKER

EDIÇÃO DE VÍDEO

ACÁCIO REZENDE

FINALIZAÇÃO

MYLENA VALIM

ORIENTAÇÃO

PAULO SOLDATELLI

Credits:

Criado com uma imagem de Nick Morrison - "Laptop and notepad"