FACES DA ALTA

A Alta de Coimbra, o principal elo de ligação entre os residentes e os milhares de estudantes que por lá passam por breves períodos, está repleta de figuras que para além de deixarem a sua marca na cidade, a deixam também em todos aqueles com quem contactam. Aqui, vamos mostrar os rostos dessas pessoas, um pouco da sua história e a forma como vivem e convivem na cidade dos estudantes.

RESTAURANTE "O TROVADOR"

À direita: "Boémia bar", a sala direcionada para jantares de grupo no restaurante "O Trovador". À esquerda: José Dias e Ermínio Silva, gerentes do restaurante.

Bancário de profissão, Ermínio Dias é cofundador do restaurante “O Trovador”, que gere em conjunto com José Dias. Os seus clientes são maioritariamente turistas mas também estudantes, que encontram n’O Trovador um cantinho para conviver.

“Temos uma sala mais jovem, com preços direcionados precisamente para jovens estudantes e temos antigos estudantes que frequentam esta zona [salão principal].”

Aponta algumas adversidades para o negócio, situado no Largo da Sé Velha, como a pouco mobilidade para estacionamento e a desorganização desse mesmo espaço. Afirma estar no “eixo turístico da cidade” que passa pela Universidade até à Baixa, atravessando a Sé Velha e o Quebra-Costas. Quando questionado pelas diferenças a notar com a classificação da Alta de Coimbra como Património Mundial da UNESCO, comprova que esta tem deixado uma marca positiva no negócio.

“Eu acho que ser uma zona classificada é uma extremamente importante e aliciante. Podia ser mais aliciante se todos nós em conjunto (entidades oficiais, comerciantes, residentes) pudéssemos fazer algo mais do que aquilo que está feito. Não há nada que nos diga que é património. Muitos dos turistas não sabem e, portanto, eu acho que precisávamos de focar mais esta classificação. Ganhávamos todos: a cidade, os comerciantes e os residentes.”

A zona histórica da cidade, como explica, tem sofrido com a desertificação e é necessário algo para trazer novamente os residentes e os jovens estudantes à Alta.

“Precisava-se de menos burocracia e mais pó.”

Em Coimbra a alta tem sofrido algumas alterações e com isto todos beneficiam, em particular a área turística. Considera extremamente interessante a visita regular de um casal belga, que passa no restaurante a cada três anos. Reconhece Coimbra como uma cidade de turismo e que os visitantes ficam felizes quando por ela passam.

“Criamos emoções para a vida.”

CASA PINTO

À esquerda: Adelina Pinto e Luís Pinto. À direita: Álvaro Amaro.

Casados há 51 anos, Adelina e Luís Pinto são proprietários de uma das tascas mais antigas da Alta de Coimbra, a Casa Pinto. Retornados de Moçambique, o casal manteve sempre um carinho especial pela cidade de Coimbra.

“«Vamos viver para Coimbra.» Era a nossa paixão.”

Quando abriram portas, os clientes eram maioritariamente empregados do Hospital Velho, situado na Alta de Coimbra. No entanto, com a mudança de local, os estudantes passaram a ser o seu público-alvo, o que inicialmente provocou um pouco de apreensão, como explica Adelina Pinto.

“A princípio foi com um bocado de receio, porque antes era só pessoal do Hospital. Felizmente eu dava-me bem com alguns estudantes, e foram esses mesmos estudantes que se encarregaram de fazer publicidade ao Pinto’s.”

Originários de Coriscada da Mêda, na Guarda, o casal mantém o negócio há 38 anos. Álvaro Amaro, seu genro, trabalha atualmente na tasquinha, ajudando no que é preciso.

“Gosto de trabalhar aqui, estou aqui a ajudar o meu sogro.”

Quando se entra no estabelecimento, dá-se de caras com um conjunto de gravatas oferecidas por estudantes finalistas. Mas não só: há também quadros e inúmeros objetos que foram dados, inclusive de outros países.

A ligação com antigos estudantes mantém-se e o contacto é frequente. Adelina afirma ter sido uma ótima experiência de vida e não tem nada a apontar de negativo na sua relação com a comunidade estudantil.

“É tudo positivo nesta casa. Prefiro trabalhar com os estudantes do que com outros.”

BAR DO DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

À direita: Luís Roque. À esquerda: o cumprimento com que recebe toda a gente.

Trabalha há 14 anos no Bar do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra. A primeira coisa que faz quando contacta com os seus clientes é dar um aperto de mão. Este é Luís Roque ou “Sr.Luís” como todos o conhecem. A sua simpatia e disponibilidade são características e é com estas que cativa todos os estudantes… Ou quase todos.

“Há uns que no início são mais crispados ou mais calados, mas com o tempo há simpatia. Porque os alunos quando são novos acham estranho eu apertar-lhes a mão. Às vezes acontece que digo bom dia e as pessoas ou não ouvem, ou nem dizem nada. Por mim está tudo bem, não vou ficar chateado, o cumprimento é o mesmo.”

Confessa-se orgulhoso ao dizer que antigos estudantes ainda se lembram dele e que passam no Bar para o cumprimentar.

“Eu também não me esqueço deles.”

Sente-se mais novo ao conviver com a “estudantada” apesar dos seus 51 anos e afirma que o trabalho é facilitado por esta interação que considera crucial. Revela que a alegria sempre o acompanhou ao longo da vida e que em caso algum os clientes são prejudicados.

“Recebo-os da melhor maneira porque eu estando chateado com alguém ou com o trabalho, o cliente não tem culpa da minha má-disposição, por isso, a simpatia acima de tudo.”

Desde sempre trabalhou neste sector – em dois bares de Hospitais em Aveiro – e aponta que manteve incessantemente a simpatia, a boa disposição e o carinho.

“A minha saudação não nego a ninguém.”

GABINETE DE ESTÉTICA SÃOZINHA

À direita: Ana Conceição Cruz e a sua cadela, Cuca. À esquerda: A Cuca é uma presença habitual no gabinete de estética.

Aos 17 anos, Ana Conceição Cruz deixou de estudar para montar um negócio de estética na zona da Alta de Coimbra. O contacto com os estudantes, na sua maioria de sexo feminino, é diário e pauta-se pela afinidade criada com os clientes.

“Acho que estou muito bem localizada, tendo em conta que por aqui estão todas as faculdades instaladas, e as meninas estudam e circulam muito por aqui.”

Conceição ou "Sãozinha", como pede para ser chamada, sempre morou naquela zona da cidade e afirma que “tem a sorte” de conhecer muitas pessoas.

“Gosto da minha profissão, gosto muito de conviver com os meus clientes. Acho que se aprende muito e tenho que agradecer muito a todas as meninas em geral.”

Porém, há alguns inconvenientes de habitar nesta zona. A tranquilidade nem sempre é uma constante, particularmente em horário noturno. Sãozinha aponta o álcool como principal desvantagem à qualidade de vida na Alta.

“Não nos podemos esquecer que vivemos no meio de estudantes. Coimbra é uma cidade boémia e ao fim ao cabo caracteriza-se também por isso.”

A profissional de estética nota que as coisas têm mudado ao longo dos anos nomeadamente a descaracterização das repúblicas. Lamenta que haja muito poucos estudantes a morar lá e dá o exemplo da Republica dos Corsários.

“No caso dos Corsários, não têm um único estudante. São pessoas que de uma maneira ou outra, tiveram um mau percurso na vida e que infelizmente vieram parar à rua.”

DONA ODETE E DONA LUCÍLIA

À esquerda: Lucília dos Santos. À direita: Odete Neves.

Odete Neves e Lucília dos Santos são duas personalidades bem conhecidas pelos moradores da Alta de Coimbra. Odete nem sempre viveu na cidade, já Lucília Santos trabalhou no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra. Desde que se conheceram, há 50 anos, que vão para a frente da Porta do Museu Machado de Castro ou da Igreja do Salvador manter a conversa em dia.

“Quando é inverno, há sol e a gente fica sempre aqui ao sol. Se estiver a chover é que não vimos para a rua, como é óbvio.”

Ambas reformadas, são pessoas características e acarinhadas pelos estudantes que moram na Alta de Coimbra.

“Quando vêm aqueles rapazes com os caloiros, metem-se com a gente e a gente diz para eles irem ali ao Pinto beber um traçadinho. A gente nem diz que é o Pinto, é a farmácia do Sr. Pinto.”

Bem, mas não só os estudantes… Também são uma atração para os turistas. A dona Odete esclarece que para além de já serem conhecidas na China, também já arranjaram sarilhos em Porto Rico.

“Estávamos sentadas e vieram quatro rapazes e uma rapariga. Perguntaram se podíamos tirar uma foto com eles e nós dissemos que sim. Eles começaram a pedir um beijo, um beijo e ao virarmos ao mesmo tempo demos um beijo na boca. E os outros disseram que iam dizer à mãe dele. ‘É a minha avó’, disse ele.”

São, igualmente, atração turística da Alta de Coimbra e posto de informação, garantindo que lhes dá um grande gosto ajudar todos os que precisam.

“E para ir para a Sé Velha e para ir para a Baixa? A gente ensina toda a gente!”

Entrevistas Inês Lourenço | Transcrições Mariana Azevedo | Jornalista Carolina Marques | Fotografia e edição Raquel Vinhas

Credits:

Raquel Vinhas

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