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Para onde vai o lixo que reciclamos? Fomos fazer a viagem que faz o lixo que separamos em casa. E o destino pode ser surpreendente...

Do momento em que se coloca no ecoponto até ao momento em que estamos a comprar um novo produto numa loja, o lixo que reciclamos pode ser uma das respostas para um mundo mais sustentável, em termos ecológicos e financeiros. Venha daí connosco nesta viagem que lhe propomos. Vai ver que vai ficar surpreendido.

Reportagem e fotos: Ricardo Perna

Há mais de 20 anos que se trabalha na questão da reciclagem em Portugal. Tem crescido o número de pessoas que separam o seu lixo e permitem que o mesmo seja reutilizado em produtos novos, alguns do quais surpreendentes, como camisolas ou passadiços. Estamos em Pragança, uma pequena aldeia do concelho do Cadaval, no sopé da serra de Montejunto. É a casa de Margarida e Armando, que já têm os sacos com o lixo separado à porta. Já esperavam a nossa reportagem, claro está, mas isso não significa que estejam a fingir reciclar.

Este é um gesto que fazem todas as semanas, embora agora tenha diminuído a quantidade de lixo produzido em casa, em virtude de os filhos já não viverem lá em casa. «Fazemos [a reciclagem] há muito tempo, desde que aqui puseram os caixotes. Porque se quisesse fazer reciclagem antes não tinha hipótese. Há cerca de 15 anos que faço a reciclagem, comecei a fazer para tentar um futuro melhor em termos de ecologia. O que fazemos é para o futuro. Às vezes, ainda ia ao caixote normal buscar o lixo que o meu marido e os meus filhos faziam…», conta Margarida Couto, a rir, divertida.

Armando Fernandes reconhece que «a recicladora cá de casa é ela», mas que entretanto já se habituou ao ritmo e também colabora. Refere que «deveria haver mais ecopontos junto dos caixotes do lixo, ou uma recolha porta a porta», e reconhece que recicla porque de sua casa ao ecoponto não são mais 200 metros. «As pessoas são muito comodistas e eu também reconheço que sou», adianta. Depois da conversa, lá vão colocar o lixo no ecoponto para dar início à nossa viagem.

A recolha do lixo naquela zona é feita pela Valorsul, empresa que também faz a gestão dos resíduos de todo o concelho de Lisboa. Em outros municípios, a recolha é da responsabilidade das câmaras, mas ali não.

Aguardamos em Pragança junto ao ecoponto utilizado por este casal pela chegada do camião e seguimos para o Centro de Triagem do Oeste. Chegado lá, o camião é pesado à entrada e segue para os armazéns. Neste dia em que a FAMÍLIA CRISTÃ acompanhou o trabalho, foram recolhidas as embalagens do ecoponto amarelo. Seguimos o camião até que entra no armazém específico, onde deparamos com uma “montanha” de plástico, todo recolhido pelos ecopontos, pronto a ser separado, processado e colocado em fardos, à espera de ser levado para o seu próximo destino.

Carlos Mota trabalha na Valorsul e explica-nos todo o processamento dos diferentes materiais. «Com o plástico, as descargas são feitas aqui e colocadas neste tapete. Depois há uma zona de corta sacos para abrir os sacos e espalhar os resíduos. A leitura ótica faz depois uma separação dos diferentes tipos de plástico. O que não é identificado na leitura ótica continua no tapete e é verificado na triagem manual. Tudo passa no mesmo circuito, e acaba já em fardos respetivos conforme o tipo de plástico ou metal. O metal é enfardado à parte numa prensa de alumínio», explica, enquanto observamos as máquinas que fazem todo este processo.

O plástico é o material mais complicado de tratar, pois implica uma separação profunda entre os diferentes tipos de plástico, conforme a utilização que se irá dar.

Com o papel o processo é mais simples. «O papel não tem triagem, é colocado numa prensa normal. Antes da prensagem, existe uma separação manual de alguns materiais não conformes que o nosso pessoal retira, mas o papel permite uma não conformidade até 10%, porque depois as empresas que aproveitam o papel fazem essa triagem», explica. De todos, o vidro é o mais simples. «O vidro chega, é descarregado num cais, quanto mais partido melhor, e é carregado à pazada para dentro dos camiões. O nosso trabalho é trazer, armazenar e arrumar. A triagem é feita nas fábricas», diz Carlos Mota.

O negócio da reciclagem é feito com a venda das matérias secundárias que são recolhidas às empresas que as reutilizam. A venda não é direta, mas sim através de empresas gestoras dos resíduos, que colocam no mercado o que cada centro de triagem tem para oferecer num dado momento. E a reciclagem não traz benefícios apenas para o ambiente ou para as empresas como a Valorsul: pode ser um fator de impulso económico extremamente importante. «Não faz sentido hoje continuarmos a pensar que as matérias-primas secundárias que colocamos no ecoponto não são rentáveis, até porque têm uma vantagem do ponto de vista industrial para Portugal: um país como nós, que não tem muitas matérias-primas em termos de exploração, se mantiver aquelas que compramos para a necessidade do mercado numa economia circular, de reaproveitamento, pode conseguir baixar o custo consideravelmente. Diminui a necessidade de importar matéria-prima e isto representa uma diminuição de custos a nível industrial. Quanto mais produto tivermos para vender melhor para nós porque rentabilizamos, melhor para o país porque poupa nas importações, e melhor para o cliente porque vai, mais cedo ou mais tarde, comprar produtos mais baratos. E a sustentabilidade cria também empregabilidade, algo que as pessoas nem sempre associam», argumenta este responsável.

Bom, mas continuemos a viagem das embalagens de plástico e de papel que a Margarida e o Armando colocaram no ecoponto. Aqui, no Centro de Triagem, são colocadas em fardos de plástico e papel e expedidas para várias indústrias.

O material da Extruplas é feito a partir da recuperação de plásticos mistos

Uma das empresas que aproveitam plásticos mistos, aqueles que contêm gorduras, e que, pelas suas características, não eram anteriormente encaminhados para reciclagem pela natureza das embalagens ou dos produtos que contiveram, é a Extruplás. No mercado desde 2000, o seu modelo de negócio é «aproveitar os plásticos mistos que estavam a ir para o aterro» para produzir tábuas e barrotes utilizados, por exemplo, em mobiliário urbano, conforme nos explica Sandra Castro, responsável da empresa. «Na realidade, estes plásticos não tinham aproveitamento em Portugal. Pacotes de batata frita, arroz, fiambre, laminados, compostos por mais do que um tipo de material plástico e que é muito complicado reciclar por outro tipo de recicladores que trabalham só com um polímero específico. Desde o início, queríamos resolver este problema, que era nacional, porque não existe outra empresa a fazê-lo», afirma.

A empresa fica com 75% da totalidade de plásticos mistos que são colocados nos ecopontos em Portugal, porque 25% são comprados por empresas espanholas. Mas se houvesse mais gente a separar este tipo de plástico, a empresa teria capacidade para também receber mais. «Estamos a falar de, em média, 1500 toneladas por mês, um valor considerável. Neste momento conseguiríamos ficar com a totalidade do resíduo produzido em Portugal, mas poderíamos ficar com mais, porque temos uma capacidade para processar até três mil toneladas por mês. As pessoas poderiam separar o dobro do que fazem, que ainda teríamos capacidade de resposta com o equipamento que temos», explica esta responsável.

O material produzido por esta empresa é um concorrente direto da madeira, com benefícios no que diz respeito à durabilidade e manutenção. «O material dura muito mais e não tem qualquer necessidade de intervenção. O nosso produto torna-se mais económico ao final de dois ou três anos. A madeira, para se manter, tem de levar tratamentos, mão de obra e todos esses custos o nosso material não tem», explica.

Neste momento, os grandes clientes são empresas e autarquias, e podemos ver este material em parques infantis, passadiços ou caixotes do lixo, mas os privados que desejem também o podem adquirir. É um material que pode ser trabalhado como a madeira, embora Sandra Castro avise que é mais «abrasivo» para as lâminas das serras.

«Os produtos que produzimos são mais caros que alguns produtos de madeira cerca de 10 a 15%, mas é importante ressalvar que é apenas um custo superior inicial. O material dura muito mais e não tem qualquer necessidade de intervenção. O nosso produto torna-se mais económico ao final de 2 ou três anos. A madeira, para se manter, tem de levar tratamentos, mão de obra e todos esses custos o nosso material não tem.»

Enquanto conversamos, passamos por todas as fases de um processo que dura entre três a quinze minutos, conforme o tipo de peça que se esteja a produzir. O plástico é colocado na trituradora, que o desfaz por completo. De seguida, é introduzido num molde e aquecido de maneira a que fique quase líquido e adquira a nova forma. Depois, é depositado num tanque de água para arrefecer e ganhar a forma, e sai da máquina já finalizado. «Nós produzimos perfis, réguas, lineares, como uma tábua, um barrote, e essa peça depois é construída na “plasticaria”, com os “plastiqueiros”, como dizemos a brincar [risos]. É um processo relativamente rápido. As peças variam muito, mas cada perfil fica pronto em dois a três minutos. Um barrote demora um pouco mais, até quinze minutos. Mas depois é o tempo de carpintaria, que depende da peça que se está a fazer.» Na altura estavam a construir cercas que iriam ser usadas em parques, e o processo de aparafusamento e corte utilizava, de facto, as mesmas ferramentas de quem trabalha a madeira.

A empresa consegue produzir tudo isto sem qualquer desperdício. Isto significa que não há lixo produzido pela empresa, o que só é possível porque o material que não conseguem aproveitar é aproveitado pelas outras empresas que fazem parte do Parque Ecológico do Seixal.

«Temos lixo zero, porque temos outras empresas do grupo que nos podem ficar com o nosso refugo. No nosso refugo podemos ter alguns metais, que encaminhamos para a Transucatas, uma empresa do grupo que trabalha só a nível de reaproveitamento dos metais, temos alguma madeira, que vai para a Ambisado, que faz o tratamento de madeiras em fim de vida, trituração e envio para queima como substituto de combustível nos fornos, por exemplo, da Portucel. Depois podemos ter um plástico ou outro que tenhas peças metálicas que, desde que tenham poder calorífico, vai para uma empresa do grupo que é a SGR que produz CDR, combustíveis derivados de resíduos que já não têm aproveitamento para reciclagem mas que têm poder calorífico se forem queimados. Assim, são encaminhados para as cimenteiras para combustível dos seus fornos, substituindo assim combustível fóssil. Tiveram já taxas de redução de combustível fóssil na casa dos 50 a 60%, pelo que tudo se aproveita, criando o lixo zero. Nós não temos nada com destino ao aterro», assegura.

A Renova é uma das principais empresas portuguesas e metade da sua produção anual é assegurada através da utilização de papel reciclados

Do lado do aproveitamento do papel temos o exemplo de uma das maiores empresas portuguesas, a Renova. Com sede na nascente do rio Almonda, as preocupações ambientais existem «desde o início» da fábrica, assegura Luís Saramago. Uma sensibilidade que se estendeu à escolha do papel que utilizam para fabricar os produtos. «Investimos numa divisão de reciclagem, que está localizada na Fábrica 2, que tem uma capacidade para recuperar 55 mil toneladas de papel velho por ano. Papel proveniente da floresta urbana, como lhe chamamos. A Renova é a única empresa que tem uma divisão de reciclagem de papel e o transforma em novos produtos vocacionados para a higiene do corpo e da cara. Estamos a falar de papel higiénico, rolos de cozinha, lenços e guardanapos», explica.

Na fábrica, o papel passa por um processo de seis fases que visa retirar todos os contaminantes da fibra de celulose e ficar apenas com o que permite a criação da pasta de papel. Depois desses processos de desagregação, crivagem, depuração cónica, lavagem, dispersão termomecânica, flotação e mais uma lavagem, a pasta de papel fica pronta e as lamas que não são pasta de papel são utilizadas como fertilizante. «O que sobra vai para o aterro, fertilização para a agricultura, e eventualmente compostagem. Usamos as lamas diretamente como fertilizante, porque tem os 25% de matéria orgânica, porque a celulose tem canais capilares e absorve água, ao contrário da lezíria que é areia, e porque tem um PH neutro ou ligeiramente alcalino, ao contrário dos adubos», afirma Fernando, um dos técnicos que trabalha na Fábrica 2, onde estamos a acompanhar o processo de transformação do papel. Depois de oito horas, a pasta de papel segue para a fábrica, onde são produzidos rolos gigantes que depois são cortados e enrolados conforme o produto final: papel higiénico, papel de cozinha, lenços de papel, entre outros produtos.

Desagregação: Papel velho, tapete rolante, um tanque com uma trituradora que transforma em 15 minutos 5 toneladas de papel numa polpa.

A seguir, as etapas de crivagem e depuração cónica: remoção do lixo, são várias em cascata

Depois a lavagem da pasta, com a remoção das cargas minerais

A dispersão termomecânica ataca os produtos adesivos.

A flotação permite que se remova a tinta, que se separa da fibra de celulose

Um segundo lavador dá a lavagem final para baixar às cargas abaixo de 5%

A pasta está pronta, mas tem uma cor de branco velho. Por isso, é feito um branqueamento com produtos químicos que obedecem a ISO para atingir os 75% de brancura, ou mais. Normalmente o papel reciclado tem 50% de brancura, por isso são necessários químicos para branquear mais o papel.

Depois disto, a pasta fica pronta para ser enviada ou por via sólida para a fábrica 1 ou por via líquida para a fábrica 2.

Os cuidados ambientais da empresa não apenas com a reutilização do papel, mas também com a qualidade da água que é retirada da nascente do io Almonda, têm uma fiscalização muito apertada, feita de uma forma bem simple. «Para mim, é muito grato saber que a dois quilómetros a jusante da fábrica da Renova há uma praia fluvial e no Verão estão lá miúdos e adolescentes a tomar banho. Aumenta a responsabilidade, mas sabemos que o equipamento que temos garante-nos essa viabilidade», explica Fernando.

Depois deste processo, o papel reciclado entra no mesmo ciclo da pasta virgem. Dentro da fábrica, vemos rolos de papel gigantes a serem enrolados em segundos. «Pegamos na pasta que foi produzida, adicionamos alguma água para fazer com que as fibras o mais individualizadas possível, depois trabalhamos as fibras mecanicamente para lhes dar as fibras necessárias para a produção da folha. Lançamos uma mistura com muito poucas fibras e muita água na máquina, é feita a formação da folha e aquilo que fazemos até ao secador é retirar água de forma a não destruir a estrutura que se formou entre as folhas e garantir a espessura e a maciez que pretendemos para o produto final», conta-nos Ana, uma das trabalhadoras desta seçção.

Os rolos gigantes são feitos conforme o produtor desejado - papel higiénico, rolos de cozinha, guardanapos, lenços de pepal, entre outros - e passa nestes rolos gigantes que pesam entre 2 a 3,5 toneladas, para a seção diferente, onde será transformado no produto final que conhecemos.

O papel que não utilizamos e que é colocado no ecoponto azul pode voltar a nossa casa como, por exemplo, papel higiénico. «Para produtos que têm uma utilização final, como o papel higiénico, faz todo o sentido utilizar produtos reciclados. A pasta virgem deve ser utilizada para produtos mais “nobres” e reutilizáveis, por isso é que sempre apostámos na reciclagem. Creio que hoje em dia há mais sensibilidade para estas questões ambientais, e, portanto, há muito tempo que estamos nesta área de atividade de reciclar papel. A próxima geração estará muito mais sensível a estas questões. É fantástico o trabalho que tem sido feito nas escolas em relação à sensibilização dos alunos. É fantástico quando os alunos e as crianças conseguem mudar os hábitos dos avós», diz Luís Saramago.

Luís Saramago, da Renova, com a mais recente aposta da empresa: embrulhos dos rolos de papel higiénico feitos de papel reciclado em vez de plástico.

Portanto, o lixo que a Margarida e o Armando colocaram no ecoponto pode estar de volta a sua casa como rolo de papel higiénico, ou faz parte de um caixote de lixo de um parque municipal onde o casal pode deitar o lixo quando vai passear. Um ciclo completo, que permite reutilizar todo o material que separamos no ecoponto e que desta forma não é colocado em aterro, contaminando os solos e destruindo mais ainda o nosso planeta. Por isso, da próxima vez que for colocar uma embalagem no lixo, lembre-se que pode contribuir para que ela seja reutilizada: ajuda o planeta e a economia.

O texto foi originalmente publicado na edição de março da revista Família Cristã.

Created By
Ricardo Perna
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Credits:

Ricardo Perna | Família Cristã

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