Das coisas menos importantes O FUTEBOL VISTO PELOS BRASILEIROS

No Brasil dá para se dizer que gostamos de acreditar em chavões (clichês), em todas as áreas e em todos os sentidos. Difícil dizer o porquê, mais este tipo de coisa acaba pegando.

Chavões como "o brasileiro não desiste nunca" fazem parte da cultura do brasileiro, que repete tanto até virar "verdade". Nelson Rodrigues foi um grande escritor e jornalista, escrevia sobre tudo e também sobre futebol. Em meados da década de 50 e 60, criou o termo "Pátria de chuteiras" para intitular o Brasil. Com o tempo, o termo acabou virando um chavão. "País do futebol" é uma derivação do termo criado por ele.

Nessa mesma época, foi criado o programa de esportes na Rede Globo, chamado “Grande Resenha Facit” (primeiro programa de mesa-redonda no Brasil). Nele, sempre que surgia esse assunto, João Saldanha – jornalista esportivo, ex-técnico da seleção brasileira e militante contrário ao governo da ditadura brasileira – criticava o termo e dizia que o Brasil não era de fato uma "Pátria de chuteiras".

Muito tempo passou, as coisas mudaram, o futebol segue forte no Brasil, mas o suficiente para ser considerado "Pátria de chuteiras"? É isso que vamos discutir, trazendo várias visões, com prós e contras.

Prós

O futebol é um esporte muito simples de ser jogado, basta uma bola e a vontade para sair chutando-a por aí. Nas praias, na rua, na várzea, no campinho de terra, no quintal de casa, onde houver espaço e gente a fim de praticar. Sem exigir muitos recursos para brincar, é um esporte do povo, praticado por amigos para fazer o tempo passar. Isso vale para as crianças, jovens, adultos e aos mais velhos, em alguns casos.

Robson Morelli: "A gente ainda é o país do futebol, é nossa cultura também, um menino ganha uma bola do berço ainda. Isso é da gente e não vai perder nunca"

Pela facilidade e por fazer parte da cultura, quase todo brasileiro, seja como for, já "jogou bola". Goste muito ou pouco de futebol, já participou alguma vez pelo menos para "fechar o time" e completar uma reunião de amigos, de colegas do trabalho ou de escola. Tive até um professor que odiava futebol – eu não gostava muito dele, este era um dos motivos – e, segundo ele, foi obrigado a jogar o esporte bretão com os outros militares. É muito fácil você sair pela cidade onde mora, em qualquer dia da semana e achar alguém "jogando bola".

O futebol não é restritivo a apenas uma região no Brasil. No Norte, mesmo não contando com times fortes e com relevância no cenário nacional, há paixão pelo futebol e muita torcida pelos times de lá e do sudeste, além de também jogarem bola.

No quesito puro e simples de qualidade de futebol, potencial técnico, o Brasil é um dos melhores. O maior campeão do mundo, único com cinco taças e o país de Pelé e tantos outros craques do esporte. O desempenho da seleção brasileira sempre foi dos melhores e sinônimo de jogo bonito, principalmente nos anos dourados, na década de 1960 a 1980. O jogo vencido pela Inglaterra no Maracanã, em 1984, virou histórico para os criadores do futebol – o 2 a 0, com um golaço de Barnes, marcou o esporte inglês. Eles haviam vencido os donos do “futebol bonito” na casa deles, com um golaço em jogada individual.

O futebol também sempre foi o sonho da criança, virar um jogador de futebol é para muitos o melhor emprego do mundo e a chance de mudar de vida. Principalmente entre as classes de baixa renda, o futebol torna-se a esperança de um dia ter um lugar melhor ao sol e “crescer na vida”. Não à toa a maioria dos jogadores vem das classes mais baixas no Brasil, há, em alguns casos, até certo preconceito com jogadores de classes mais ricas. Rodrigo Caio, por exemplo, já foi pejorativamente chamado de "jogador de condomínio".

Motivos para acreditar ser a pátria de chuteiras existem.

Contras

O Flamengo é o time com maior torcida no Brasil (35 milhões), no entanto, quantos destes são realmente participativos? Uma pesquisa recente do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em relação ao grau de devoção do torcedor brasileiro ao seu clube, mostrou que apenas 8% são aficionados por seus clubes de coração e a maior parte é entre torcedores médios e simpatizantes. Portanto, muita gente diz torcer por um clube, mas, na prática, mal acompanha e sofre por ele. Outra pesquisa, feita pela Paraná Pesquisas, tinha como pergunta "por qual time você torce"? A maior parte (19,4%) disse: "por time nenhum".

Gustavo Hofman: "Erros históricos no tratamento ao torcedor e falta de vontade dos brasileiros em realmente acompanhar futebol"

Os estádios brasileiros não são os mais lotados do mundo. Os motivos para o torcedor não ir são vários e não há uma política para que os brasileiros compareçam aos jogos. Os cartolas brasileiros, muitas vezes, não entendem a torcida que têm e não são capazes de encher os estádios. Porém, um dos motivos para não haver tantos torcedores nas pelejas é o fato das pessoas não se importarem tanto com isso. Pense em sua família: quantas pessoas dela vão à partidas regularmente?

Mineirão - Copa do Mundo

Na Alemanha, o campeonato tem média de 43 mil torcedores por jogo – o Borussia Dortmund leva, em média, 81 mil por jogo, no Signal Iduna Park. No Brasil o campeonato tem média de 14.446 por jogo (38% de ocupação) e o Palmeiras, com a maior média no Brasil, leva 32.677 por jogo (75% de ocupação). A pesquisa dos brasileiros é feita pelo globoesporte.com.

"You'll Never Walk Alone" é uma música cantada tanto pela torcida do Liverpool como pela do Borussia Dortumund. No jogo entre eles na temporada passada as torcidas cantaram junto a música.

Gustavo Hofman:"Não podemos generalizar, isso é muito importante ressaltar. De maneira geral não temos tantos torcedores fanáticos como em outros países (Sérvia, Turquia, Grécia...)"
Palmeiras 0x2 Vasco - Allianz Parque

O Brasil é um país com mais de 200 milhões de brasileiros, muitos pensam em ser jogador de futebol. Porém o “material humano” não é tão bem aproveitado. O Uruguai, com 3 milhões de habitantes, tem mais títulos internacionais do que o Brasil. É verdade que não ganha uma Copa desde 1950, porém, proporcionalmente, vai muito bem, assim como os argentinos, que são um sucesso em Libertadores e tem bons atacantes no mundo inteiro, inclusive no Brasil – onde são titulares.

Isso tudo sem falar dos treinadores. O Brasil tem apenas Tite com potencial de chegar entre os principais treinadores do mundo, o único capaz de desempenhar algo próximo dos principais. Novamente comparando com os argentinos, eles têm vários treinadores com destaque mundo afora: Simeone, Pochettino e Sampaoli são os principais.

Flamengo 3x0 Santa Cruz - Pacaembu

No fundo, se for bem analisado, o Brasileiro tem uma cultura muito grande de vitórias, de gostar do que está ganhando. A história da F1 talvez seja a que deixa isso mais claro há todos, a maioria dos brasileiros nunca entendeu sobre as corridas, mas gostava muito de ver um brasileiro cruzar a linha de chegada na frente, principalmente se fosse Ayrton Senna. Depois dele o Brasil não teve mais um campeão, os fracassados sofreram com a falta de conhecimento dos brasileiros e a rejeição por não vê-los vencer. Pique reclamava muito que os brasileiros não entendiam nada de F1.

Paysandu conta com torcedores do estado deles, estado do Pará (foto Bragantino x Paysandu)

Quanto aos "Prós", está escrito: "futebol não é restritivo a apenas uma região no Brasil, mesmo o Norte não contando com times fortes e com relevância no cenário nacional, há paixão pelo futebol e muita torcida pelos times do sudeste, além de também jogarem bola. O Flamengo tem uma torcida de aproximadamente 35 milhões, maior do que a população de muito país." Mas na prática não é assim. Na Séria A do Campeonato Brasileiro não há nenhum time do Norte e Centro-Oeste, Nordeste apenas três, a maior parte é do Sul e Sudeste. Esta parte do Brasil, mesmo com estádios enormes – feitos para o Copa do Mundo – assiste mais aos jogos do outro lado do Tratado de Tordesilhas do que vai ao estádio. Torcem muitas vezes para os times do lado Oriente do Tratado. O contrário é muito raro.

Tratado de Tordesilhas do futebol brasileiro

Todos os times da Série A

Motivos para acreditar que não somos a “pátria de chuteira” também existem.

Opinião

Gian Oddi, Robson Morelli, Gustavo Hofman e Breno Pires

Brasil é a "pátria de chuteiras"?

  1. Gian Oddi (ESPN): "Não acho, sinceramente, que sejamos o país mais apaixonado pelo futebol no planeta. Se falamos sobre o potencial técnico, contudo (e aí uma das razões é também as dimensões do país), a expressão pode até fazer sentido".
  2. Robson Morelli (Editor de esportes do Estadão): "Acho que ainda é o país do futebol, a gente gosta de vencer, gosta de competir, gosta de outras modalidades bastante: F1, aprendeu a gosta de MMA, de tênis, basquete, vôlei, natação. Todos esses esportes tem uma ligação com vencer. A gente ainda é o país do futebol, é nossa cultura também, um menino ganha uma bola do berço ainda. Isso é da gente e não vai perder nunca".
  3. Gustavo Hofman (ESPN): "Acho que se encaixa ainda porque é um país apaixonado por futebol. No entanto, não é algo único do brasileiro, assim como existem países com torcidas bem mais apaixonadas do que as nossas".

Dá pra dizer que o brasileiro vive mais da cultura de vitórias do que de esporte?

  1. Gian Oddi (ESPN): "É o que mostra a nossa história, com diversas modalidades. Mas talvez a Fórmula-1 seja o melhor exemplo disso".
  2. Robson Morelli (Editor de esportes do Estadão): "O brasileiro acompanha sim esporte, o Corinthians deixou de ganhar o público na Arena caiu bastante, o Senna saiu da F1, Massa não ganha, o Rubinho parou e o Nasr ainda não vingou. F1 está em baixa, a audiência da Globo dá em 8 pontos, não é mais como era antes. O brasileiro gosta de vencedor, ganhar de ter orgulho, isso tem a ver com todas as modalidades. A gente teve o período do Guga, foi um boom no tênis, aí ele parou a gente caiu de novo, não apareceu um brasileiro que orgulhasse a modalidade, é um jeito que a gente tem de torcer, é cultural".
  3. Gustavo Hofman (ESPN): "Sim, e a média de público dos times brasileiros de futebol indica isso".

Extras

Gustavo Hofman (ESPN) sobre o Leste Europeu: "São histórias diferentes, por isso a enorme diferença. Nações do Leste Europeu passaram por guerras, extermínios, dominações... A formação e a cultura desses cidadãos são completamente diferentes das nossas."

Gian Oddi (ESPN) e os italianos: "Acho que o italiano em geral é mais apaixonado pelo esporte que o brasileiro. E a cultura, lá, também é menos voltada a um esporte apenas, embora o futebol seja o principal deles sem dúvida alguma. Fórmula 1 e ciclismo, entre outras modalidades, são prova disso."

Breno Pires (Sportv) e os méxicanos: "Difícil explicar a cultura esportiva em um país em uma resposta. O futebol é o principal esporte, assim como no Brasil. Há outros esportes que geram interesse, mas proporcionalmente nada se compara com o futebol. Nem toda a população gosta de futebol, mas aqui no Brasil também há disso. Por outro lado, a presença de público nos estádios tem uma média maior no México do que no Brasil, mas os motivos da baixa média de público no Brasil são amplos e essa estatística não define a cultura esportiva do país. A seleção mexicana, por outro lado, segue motivando muita paixão dos torcedores, mesmo sem títulos expressivos."

No final das contas, o futebol é algo importante na cultura do Brasil e mexe com a vida das pessoas – gostem elas ou não. Assim como os feriados religiosos no Brasil influenciam na vida de todos, sejam ou não desta ou daquela religião. O brasileiro sempre terá um quê de boleiro ou de sambista. E não é isso que definirá todos os brasileiros. Penso que o brasileiro não gosta tanto de futebol como se diz e com ele mesmo se intitula, mas seguirá sendo uma marca do país.

Quando houver Copa, haverá uma mobilização para assisti-la, talvez o brasileiro não chore e nem sofra pela seleção brasileira como já fez um dia, mas ela ainda representa, pelo menos um pouco, o país.

Os brasileiros fanáticos por futebol vão continuar existindo e o esporte mudará com o passar dos anos, assim como o bom futebol passará por momentos melhores. O Brasil não é a “pátria de chuteiras”. Mas o futebol é importante para o Brasil. O esporte principal.

Arrigo Sacchi tem uma frase boa para o tema: “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes" - por mais que a frase já tenha sido creditada a Nélson Rodrigues pelo professor Pasquale.

Por: Rodrigo Seixas

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