1º SEMINÁRIO “INSURGÊNCIAS PERIFÉRICAS: A CIDADE QUE QUEREMOS” DiCampana Foto Coletivo I Texto: gesSé Silva I Fotos: Léu Britto I Mar.2017

Nos dias 11 e 12 de março aconteceu no Sacolão das Artes o 1º Seminário "Insurgências Periféricas: A Cidade que Queremos". O encontro propôs refletir e discutir o contexto atual no que diz respeito às leis de fomento e distribuição de renda, tanto no Brasil como na América Latina, e sobre como os movimentos de resistência estão se organizando e qual devem ser os próximos passos. Professores e coletivos foram convidados à compartilharem suas experiências de luta.

Acompanhe a seguir algumas reflexões e questões que foram levantadas, e a nossa galeria de fotos.

Foto: DiCampana Foto Coletivo/Léu Britto

Manhã de sábado

No amplo espaço do Sacolão das Artes as cadeiras disponibilizadas iam sendo ocupadas. Pelas paredes do galpão, faixas e cartazes com textos que davam o tom das pautas e reivindicações como “Movimento Cultural das Periferias”, “Descongele já o orçamento das periferias!”, Contra o genocídio da juventude preta”, dentre muitos outros.

Num mapa disponibilizado próximo a mesa do café, quem chegava era instruído a marcar a região onde residem e atuam, possibilitando que seja feito um mapeamento geográfico da atuação cultural nas periferias de São Paulo.

Memória - Quem somos e como chegamos até aqui… narrando a história do Movimento Cultural das Periferias, com Katia Alves e Elaine Mineiro.

Foto: DiCampana Foto Coletivo/Léu Britto

"O Sacolão das Artes é um espaço que desde sua ocupação, vem lutando e resistindo com ajuda de pessoas e coletivos que usam o espaço. Sofremos com precarização e falta de recursos por escolhermos não nos associar à instituições um tanto duvidosas. Nossa intenção é que grupos ocupem esse espaço para fazerem seus trabalhos. A realização do seminário aqui, foi estratégia política sim, de firmarmos aqui um espaço de luta e de resistência. O Sacolão das Artes é um espaço de ocupação cultural que faz parte do Movimento Cultural das Periferias." - Katia Alves

“O Movimento Cultural das Periferias é uma galera preta, mulheres pretas, homens pretos, periféricos e periféricas que produzem arte, circulam a sua atividade artística, fazem militância política no seu território e em determinado momento entenderam que era importante fazer uma junção dos coletivos e das atividades que eram feitas nas quebradas porque a cidade evidentemente distribui recursos e possibilidades de uma maneira muito desigual. Por isso a gente entendeu que precisava se reunir e brigar por nossas pautas conjuntamente. Então em 2013 uma galera lá em Guaianases convocou uma reunião com os coletivos de cultura, para discutir. Uns dias depois, uma galera de Ermelino Matarazzo estava chamando para uma reunião com praticamente as mesmas pautas, então percebemos que era melhor fazer uma junção desses dois movimentos para a partir daí passar a discutir. Fizemos várias reuniões, sempre em espaços culturais independentes. Outros coletivos de outros lugares, como o pessoal do Sacolão das Artes, passaram a fazer parte desses encontros e foi quando percebemos a potência que tem a gente se entender e se intitular como periferia. A partir daí começamos uma articulação na cidade inteira. Discutimos muito o acesso às leis de fomento, porque o recurso da cultura fica concentrado nas regiões centrais do Estado. Organizamos o Primeiro Seminário de Políticas Públicas na zona leste, e depois desse momento tivemos a Terceira Conferência Municipal de Cultura, que foi muito importante porque a periferia colou inteira na conferência e aí eles entenderam que a periferia estava articulada e então a secretaria nos chamou para conversar. Durante todos esses anos a gente continuou fazendo nossas brigas para que as casas de cultura voltassem para a secretaria de cultura e outras várias brigas, como a Frente de Espaços de Ocupação, como este aqui (Sacolão das Artes), que eram espaços abandonados. Então a Lei de Fomento foi escrita coletivamente durante um ano e meio mais ou menos, em vários lugares da periferia da cidade, num diálogo muito grande com a secretaria, até conseguir aprovar a Lei de Fomento à Periferia. E a idéia desse seminário é pensar: E agora? Como é que o movimento continua se organizando, levantando nossas pautas? E então pensamos nesse seminário pra gente pensar o que iremos fazer, o que está em nossas mãos. - Elaine Mineiro

Lutas Políticas e Libertárias no Brasil, com Rosane Borges e Dennis de Oliveira

Foto: DiCampana Foto Coletivo/Léu Britto

Desde o final dos anos 80, estamos observando uma mudança significativa dos modelos de produção do capitalismo, e isso nos dá uma pista para entender a produção capitalista no Brasil de hoje, e quais são nossos enfrentamentos e desafios. Nós temos hoje no capitalismo global, monopólios de grandes corporações que controlam a produção capitalista e articulam uma série de pequenas produções espalhadas ao redor do mundo.

Esse modelo de capital, chega numa total concentração de renda, com corporações como Wallmart, IBM, Microsoft tendo mais faturamento que vários países. Estamos vivendo uma época bastante complicada para nós trabalhadores, como a proposta do governo golpista do Temer de reformar as leis trabalhistas, acabar com a CLT e com a Previdência, porque a produção industrial está diretamente vinculado ao consumo. Dessa forma eles vão adequando o ritmo do trabalho e da produção, às demandas de consumo.

Como o consumo é sazonal - tem momentos que você consome mais, e tem momentos que o consumo cai um pouquinho - o capital pressiona para que não tenha regras rígidas de jornadas de trabalho, para que você tenha que trabalhar 12, 14, 15 horas quando se necessita, que se contrate temporário e aí te demite quando não tem produção, que o salário fixo seja mais baixo, de acordo com a produção, e essa pressão acontece no mundo inteiro.

Isso gerou uma brutal concentração de renda, com países ricos ficando mais ricos e países pobres ficando mais pobres, e internamente nos países, as pessoas mais ricas ficam mais ricas e as pessoas mais pobres ficam mais pobres. Pra você ter uma ideia, nessa crise que o Brasil vive, no ano passado o Bradesco teve um aumento de 20% no seu lucro.

O que isso tem haver com a gente? Ora, esse capital que buscar novas fronteiras de expansão e investimento, e vai atuar da seguinte forma. Em São Paulo por exemplo, esse grande capital vai especular o espaço urbano, preferindo ao invés de investir em moradias, o aluguel comercial de escritórios, de salas e etc. O que acontece é que a população trabalhadora vai para cada vez mais longe, e São Paulo está virando um lugar para trabalhar, em função dessa especulação imobiliária.

Ou seja, o capital atua no sentido de transformar o espaço urbano, em espaço de especulação e reprodução do capitalismo. Então não é à toa que a questão da terra, a questão da luta por capital tem, na população negra afro descendente, seus principais protagonistas. Não é à toa. É estrutural isso, é histórico no Brasil. Nesse sentido a gente observa que a ação do estado brasileiro em relação a população da periferia é de sitiamento e de contenção.

As periferias ainda vivem com prisões ilegais, ainda vivem com invasões de domicílio sem mandado de busca, tem ainda execuções extrajudiciais, tortura nas delegacias, toque de recolher, práticas típicas da ditadura militar. Então a periferia ainda vive um estado de sítio, mesmo com os 32 anos de democracia institucional. E isso não está na lei, isso acontece porque o processo de regulação do capital depende da contenção dos mais periféricos, da população indeferida. " - Dennis de Oliveira

Rosane Borges - Foto: DiCampana Foto Coletivo/Léu Britto

"Pensar a cidade é pensar a periferia. Precisamos ouvir quem mais sofre. Pensar nos mais vulneráveis é pensar numa mudança para todos e para todas. Vejam vocês, é muito mais palatável para as mídias, inclusive as de esquerda, falar de apropriação cultural do que falar do extermínio da juventude negra. Me parece que esses temas que são efervescentes, e não estou negando a importância deles, como racismo, sexismo, exclusão, pobreza, não estou dizendo que eles não são importantes. Eu tô querendo dizer é que esse temas, quando eles passam por um crivo de visibilidade intensa das redes sociais e da mídia em geral, eles acabam prestando digamos um, desserviço pra nossa luta e pra nossa reivindicação, porque eles encobrem essa dureza que é o Brasil.

Os dados estão aí, quando a gente pega os indicadores mundiais em termos de inclusão, de superação, o Brasil sai feio na foto. Vou citar alguns dados, pra gente pensar um pouco como que à partir desses dados, dar um impulso renovado em nossas lutas, porque a crise que estamos atravessando, ela não é apenas econômica, ela é a ponta do iceberg de uma crise muito maior, é uma crise civilizatória. O Brasil é o quinto país que mais mata mulher, e a taxa de homicídio entre as mulheres brancas diminuiu, enquanto a taxa entre as mulheres negras, aumentou. Os aparelhos de assistência do estado, pouco chegam nas periferias. Porque as mulheres negras morrem mais que as brancas? Porque elas são pobres e habitam as periferias. Isso é um dado estrutural, e eu gosto muito de uma definição que vem dos novos teóricos que diz que estruturas são eventos de longa duração, e por ser de longa duração eles vão moldando nossa existência. A morte da juventude negra, é um evento de longa duração. A morte e violência das mulheres negras é um evento de longa duração, portanto, novas estruturas, o que nós somos quanto país, quanto população. Mas, se pegarmos os motivos das mortes dos jovens e mulheres da Vila Mariana, eles são diferentes do motivos que eles morrem nas periferias do país.

No nosso processo de redemocratização, os movimentos sociais sempre tiveram papel importante. Não existe no campo das políticas públicas, nenhuma lei que não foi obtida graças a reivindicações de movimentos culturais. O estado converte essas ações em políticas públicas, lógico, não todas. Acho que a gente tem que cada vez mais pensar qual é o estado que a gente quer. Porque uma das coisas que o processo de impeachment nos ensinou, o golpe né para ser mais específica, é que esse processo de redemocratização da forma como a gente brigou por ele, chegou num ciclo que se esvaiu. O que a gente tem pós 2013? A gente tem uma reação muito ruim né, do governo, governo Dilma, que não soube dialogar com os movimentos. Então, já que a república caiu, as delações da Odebrecht mais do que a corrupção, nos leva a pensar isso, então é preciso um outro pacto federativo.

O que a gente tem que pensar em termos de luta política é que a gente não pode dimensionar a exclusão, na lógica do todos a bordo. Nem todo preconceito se converte em discriminação. Quando a gente tem a discriminação, essa sim, é caso de reivindicação, é caso de luta, aí sim, é tópico para nós pensarmos. Então eu diria que essas discussões elas estão aí, sempre estiveram na nossa frente, mas eu acho que a gente tem matéria prima, pra gente gritar pra esse Brasil, pra esse mundo, que a gente tem expertise, a gente tem inteligência, e do nosso lugar de fala, a gente dizer pro mundo que a gente tem alternativas para uma mudança que não é apenas para as periferias, é uma mudança que pensa radicalmente o Brasil. A gente tem nas mãos a herança Palmarino, das pessoas que morreram nos Quilombos de Palmares, a gente tem a tradição Indígena dos povos que foram massacrados e até hoje resistem, a gente tem as mulheres que vivem nessas franjas da crueldade com filhos mortos, porque não são só os jovens que morrem, morre quem fica, morre mãe, morre irmã, e falo mãe e irmã porque normalmente o pai tá ausente, ou tá morto ou está preso. Então, quando a gente trás pra pauta nossa da periferia, anti racista, anti sexista, a gente não está incidindo apenas pro Jardim Santo Antônio ou Capão Redondo, a gente está incidindo sobre a cidade. Por isso eu digo, sejamos ousados. Tem uma frase que eu sempre gosto de repetir, sejamos realistas, peçamos o impossível." - Rosane Borges

Olhares de Luta Pela América Latina, com Renata Eleutério, Sandro Barbosa de Oliveira e Coletiva Fala Guerreira

Foto: DiCampana Foto Coletivo/Léu Britto

"Quando a gente vem aqui conversar com vocês, temos uma necessidade de trazer uma experiência real do que a gente percebeu lá (México). Ver que a gente pode se espelhar em experiências reais e criar as nossas. Então, não é um encantamento pelos Zapatistas, mas um encantamento pelo que vivemos. Pra gente esse é um ato histórico. Nos vemos nos reconstruindo e nos vemos do mesmo lado da trincheira." - Renata Eleutério

"Mais que maquiar uma situação, a nossa fala aqui ela parte de um momento em que a gente está em crise, o cerco está fechando para nossa existência cada vez mais. Está rolando uma asfixia geral e estamos todos doentes. Nós mulheres não podemos viver através de relógios que não são os nossos, de iniciativas que não são nossas." - Coletiva Fala Guerreira

"Uma crise que a gente faz questão de compartilhar é que a gente sempre fica um pouco insegura, de fazer uma fala, mesmo que seja no nosso território porque pra nós mulheres, falar é se expor. É uma responsabilidade muito grande. A gente tem muito isso de que o que a gente fala precisa ser aprovado por alguém, mas acho que é isso, a gente tem que falar a partir do que está pulsante na gente, ninguém tem que aprovar nada." - Coletiva Fala Guerreira

"Falar sobre a América Latina, é um desafio pra gente porque também está sendo uma descoberta pra gente do que é ser latino americano. Porque a gente não aprende sobre isso na escola, não temos uma base do que é a América Latina, quem são nossos povos originários." - Coletiva Fala Guerreira

"É muito importante pra gente essa questão do território e do cotidiano. Nós mulheres vivemos um cotidiano, totalmente pesado, e isso ficou muito claro pra gente nesse encontro com várias manas, de vários cantos do mundo. Se a gente fala de América Latina, precisamos falar de colonização, e o que os Zapatistas nos ensinaram é que a nossa reconstrução descolonizadora é a gente se achar em nosso cotidiano e achar quem nós somos." - Coletiva Fala Guerreira

"Um feminismo que não fale da questão das mulheres lésbicas, da questão das mulheres negras, um feminismo que não fale da nossa complexidade, e de todas as coisas que nos compõem, ele não vai ser um feminismo que nos cabe." - Coletiva Fala Guerreira

"Aprendemos com o movimento Zapatista no México, que não é necessário pedir licença para ser livre. Primeiro, não há conhecimento que não seja social. Nós não podemos abandonar a universidade, mas precisamos criar os nossos espaços de formação. E esse encontro é histórico, esse é um movimento histórico que está fazendo e repensando esse fazer. Construir espaços de esperança. É muito importante a gente ampliar o nosso olhar, a nossa vivência, a nossa experiência, outras lutas." - Sandro Barbosa de Oliveira

O levante Zapatista, é um movimento revolucionário indígena Mexicano, que dentre outros motivos, surgiu contra o Tratado de Comércio da América do Norte, e contra o governo Mexicano tentava eliminar o item 27 da constituição que garantia a propriedade coletiva da terra. Os Indígenas sacaram isso e como eles muito falam: "a nossa luta é pela vida, contra o sistema de morte", que é o capitalismo." - Sandro Barbosa de Oliveira

A Cidade que temos – Histórico de lutas populares, com Enrico Watanabe

Foto: DiCampana Foto Coletivo/Gessé Silva

"Os meios que a gente utiliza, não são os mesmos que a direita? Parece que tem uma forma militante que é muito parecida. O que nos diferencia, é que parece que nós estamos certos, e eles errados. Se tem uma coisa que o MBL fez, foi ser contra o sistema, dizer que o sistema estava podre. Os meios parecem ser os mesmo, então, onde nós erramos?" - Enrico Watanabe

"Queremos o Estado ou não? Nunca tivemos tanto Estado, nunca tivemos tanto serviço Público. E queremos mais e mais Estado. Como instrumento democrático, nós queremos mais Estado. Nós lutamos pra caramba pra conseguir isso, não vem dizer que não. Nós estamos pedindo Estado, quando pedimos direitos, saúde, educação... pedimos para o Estado." - Enrico Watanabe

"Fazer a política de estratégia, é imprescindível. Para desenvolver novas estratégias na luta, e reorganizar os nossos esforços pra no mínimo, uma nova derrota. Como diz uma velha comunista: "a classe trabalhadora pode perder todas as lutas, menos a última". - Enrico Watanabe

Veja a galeria de fotos.

A programação completa do evento você pode ver em: https://www.facebook.com/events/1775004579486568/

Created By
DiCampana Foto Coletivo
Appreciate

Made with Adobe Slate

Make your words and images move.

Get Slate

Report Abuse

If you feel that this video content violates the Adobe Terms of Use, you may report this content by filling out this quick form.

To report a Copyright Violation, please follow Section 17 in the Terms of Use.