Cine São Francisco Às margens do rio, artistas e ribeirinhos integram arte e realidade

Texto e fotos de André Teixeira

O processo é rápido: em menos de cinco minutos, inflado pelo ar de um compressor, o plástico azul e branco ganha volume e se ergue do chão da praça. Às margens do Rio São Francisco, uma tela de oito metros de largura por 3,60 de altura toma forma e vira atração. É nela que, horas mais tarde – em alguns casos, somente depois da missa –, o cinema chega à população de cidades de nomes desconhecidos, como Itacarambi e Pedras de Marias da Cruz, ou curiosos, como Ponto Chique e Cachoeira do Manteiga, todas em Minas, na região do Médio São Francisco.

A proeza é obra do projeto “Cinema no Rio São Francisco”, idealizado e coordenado pelo cineasta e produtor cultural Inácio Neves, um mineiro apaixonado pelo chamado “Rio da integração nacional”, por cruzar nada menos que cinco estados brasileiros. A caravana percorre, desde 2004, cidades à beira do Velho Chico, projetando curtas e longas nacionais, além de documentários sobre cada cidade visitada e projeções de fotos feitas por moradores que participam de uma oficina de fotografia, outra marca do projeto.

Em 2016, 10 cidades abrigaram o telão, da grande, para os padrões locais, Januária – cerca de 70 mil habitantes – à minúscula, para qualquer padrão, Ponto Chique – cerca de 5.000 moradores. Na programação, nove filmes: os longas “O Bem Amado”, de Guel Arraes, “A luneta do tempo”, de Alceu Valença, “O último cine drive-in”, de Iberê Carvalho, os curtas “5 X Chico”; “A mulher que mentia para vender santos” e “Meninos e reis”, entre outros. “Buscamos filmes próximos da realidade dos ribeirinhos, e temos tido, nessas 11 edições do projeto, uma resposta muito boa”, afirma Neves.

“A proposta do projeto é a democratização do acesso à cultura, levando filmes nacionais a pessoas que, muitas vezes, nunca tiveram acesso a uma sala de cinema”, acrescenta o produtor. Mais do que isso, o Cinema no Rio trabalha com a inclusão visual e a auto representação, mostrando na tela grande as histórias, tradições e belezas de cada município. "Ao se verem na telona, as pessoas passam a se valorizar mais, e tendem a preservar as manifestações culturais da região”, completa.

Para estimular esse processo, a equipe busca, em cada cidade, algum artista local para uma apresentação antes dos filmes. É assim que quase anônimos como Chiquinho da Viola, em Manga, ou já reconhecidos, como a Banda Apoenah, em Itacarambi, dão seu recado, fortalecendo a identidade regional. “Estimular a cultura ribeirinha é um dos objetivos do Cinema no Rio”, afirma Neves.

Um bom exemplo é um grupo de batuque de Ponto Chique. Redescoberto pela turma do projeto há alguns anos, saiu do esquecimento e caiu novamente nas graças da população local, chegando até a fazer apresentações em Brasília. “O batuque estava morrendo. Os mais jovens não se interessavam. Isso mudou depois que a gente foi convidado para tocar na praça”, conta o agricultor Olímpio Gonçalves, um dos integrantes do grupo.

A edição de 2016 teve um ingrediente a mais: foi uma homenagem aos 60 anos da primeira edição de “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa. “A forte presença da cultura regional, através da linguagem e formas de expressão, ou mesmo dos personagens locais, é um dos pontos em comum entre o Cinema no rio e a obra de Guimarães Rosa”, analisa Neves. “Além, claro, da própria ambientação dos dois: o São Francisco”, acrescenta.

A situação do Velho Chico, no entanto, obrigou a caravana a uma mudança lamentada por todos seus integrantes. O trajeto não é mais feito de barco, por causa da baixa condição de navegabilidade do rio, provocada por uma conjunção de fatores como desmatamento, erosão e assoreamento, tanto às margens do próprio São Francisco quanto de seus afluentes, vitais para sua sobrevivência. O grupo segue de carro, van e caminhão, engolindo poeira nas tortuosas estradas de terra da região. Foi-se um pouco do charme da caravana, mas ganhou-se mais uma causa. “O rio corre sério risco, e com ele toda uma população rica em histórias e tradições. O projeto serve, também, para chamar a atenção para o problema. Ainda é tempo de salvar o São Francisco”, finaliza o produtor.

Credits:

Fotos de André Teixeira

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