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Conduzindo vidas Os desafios Do dia a dia dos motoristas de ambulância

Maurício de Santi e Rodrigo Resende, da Rádio Senado

Publicado em 02/10/2018

Seis e meia da noite em Belo Horizonte. Enquanto muitos mineiros estão presos no trânsito da capital, um fato irá mudar a rotina do soldado e condutor de ambulância do corpo de bombeiros Cristiano Vardil. Uma pessoa cai no no Ribeirão Arrudas.

“O Ribeirão Arrudas é como o Rio Tietê em São Paulo. É um córrego que passa por dentro da cidade, tem uma altura aproximada, dependendo do seu ponto, de 8 metros. Uma pessoa havia caído lá dentro, estava deitada e nossa unidade foi acionada para dar o primeiro atendimento”, narra Vardil.

Com todos os percalços, o condutor de ambulância e os demais colegas do corpo de bombeiros conseguem chegar até a vítima. É um morador de rua. Mais um cidadão salvo a partir do trabalho e da perícia de Vardil.

Histórias como essa são comuns a um expressivo contingente de profissionais que trabalham na fronteira entre a vida e a morte, mas que normalmente só são percebidos (e nem sempre) quando a sirene e as luzes giratórias do carro que dirigem irrompem em meio ao tráfego das grandes cidades.

Samu em ação nas ruas de Porto Alegre: nem sempre há compreensão sobre como facilitar o trabalho de quem salva vidas (foto:Cristine Rochol/PMPA)

Agora, o Congresso Nacional examina uma série de propostas em benefício da categoria.

Está no Legislativo, por exemplo, a ideia de conceder aposentadoria especial para esses condutores. A justificativa é o estresse provocado pela direção de um veículo em alta velocidade, além do contato permanente com agentes patológicos, como bactérias e sangue contaminado.

Alex Douglas, presidente da Associação Nacional dos Condutores de Ambulância, explica que a entidade não abre mão da aposentadoria especial:

Alex Douglas, da Associação Brasileira dos Motoristas e Condutores de Ambulância, participa de homenagem à categoria no Plenário da Câmara dos Deputados (foto: Zeca Ribeiro/Câmara do Deputados)
“O condutor auxilia a equipe de saúde nas massagens cardiorrespiratórias, tem contato com o paciente, trabalha com barulho, estresse, trânsito, pode ter problema psicológico, isso é do dia a dia do trabalhador, ele trabalha nesse sistema insalubre e não tem como fugir disso”.

Para a associação, o número de trabalhadores que dirigem ambulâncias pelas ruas do país chega a 1,5 milhão. Esse número, no entanto, pode ser bem maior, já que a estimativa tem por base um levantamento do Ministério do Trabalho feito há três anos.

Até 2014, a legislação não reconhecia a profissão e eles sequer podiam se organizar em sindicatos para lutar por direitos como piso salarial, adicional de insalubridade, melhores condições de trabalho, carga horária máxima e por aí vai.

Manifestação dos motoristas de ambulância na galeria do Plenário da Câmara dos Deputados. (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Todo mundo que trabalha gosta de ser reconhecido pelo seu exercício profissional. E isso pode acontecer de várias formas. Para os condutores de ambulância, o primeiro passo veio com a Lei 12.998, de 2014, espécie de certidão de nascimento da profissão. Até então, eles eram chamados de “socorristas” ou “motoristas socorristas”, o que não consideravam apropriado, já que não pertencem à área da saúde.

A lei assegurou a designação “condutor de ambulância”, permitiu a associação sindical e estabeleceu alguns critérios para o exercício da atividade, como treinamento especializado e a atualização em cursos específicos a cada cinco anos.

No entanto, mesmo depois da lei, os órgãos públicos e empresas privadas que empregam esses profissionais não os cadastram corretamente, lamentou Alex Douglas. A saída seria a regulamentação da profissão.

Enviada pelos deputados ao Senado, que a aprovou em dezembro com alterações, a regulamentação foi devolvida à Câmara para apreciação das mudanças e tramita na Comissão de Trabalho daquela Casa. Pelo texto, o condutor deverá ter mais de 21 anos, o ensino médio completo e carteira de motorista nas categorias D ou E, além de receber treinamento especializado, como já prevê a lei de 2014. A proposta ainda obriga os profissionais a acompanharem as equipes de saúde durante os atendimentos básicos de suporte às vítimas.

Rotina estressante e riscos inerentes à atividade baseiam proposta de regulamentação profissional (foto: Cadu Gomes/ Agência Senado)

Estão igualmente em análise no Congresso Nacional uma proposta que oficializa a data de 10 de outubro como Dia Nacional do Condutor de Ambulância e outra que estabelece uma jornada máxima de trabalho de 30 horas semanais (PL 9.799/2018).

O professor de Psicologia do Trabalho da Universidade Estadual da Paraíba, Francinaldo Pinto, que pesquisou a profissão de condutor de ambulância, avalia ser importante regulamentar a carga horária e o regime de folgas para garantir o devido descanso a esses profissionais:

“Um outro aspecto que não é muito frequente, mas que existe é a sonolência diurna excessiva desses condutores porque eles trabalham em sistema de plantão”.

Condutores de ambulância enfrentam diversos desafios para fazer o seu trabalho com o máximo de eficiência. Não bastasse a pressão natural da profissão, diversos fatores externos prejudicam ainda mais a vida desses profissionais.

Equívocos e trotes atrapalham o trabalho dos motoristas de ambulância e das equipes de socorro (foto: Geraldo Magela/ Agência Senado)

Elísio Gonçalves, de Fortaleza, lamenta a quantidade de trotes recebidos pelos serviços de emergência:

“O maior desafio é quando mandam a gente para um trote e a gente fica sem saber o que fazer”.

Ele acrescenta que, muitas vezes, junto com os trotes, vêm os assaltos:

“É uma profissão de risco. No ano passado, uma unidade nossa foi assaltada. Levaram os pertences da tripulação e um aparelho celular”.

A falta de educação de muitos motoristas também é um desafio. Cristiano Vardil destaca que a intenção é quase sempre a de ajudar, mas nem sempre isso é possível:

— As pessoas querem ajudar, só que elas não sabem como posicionar o seu veículo. Então uns jogam para a direita outros jogam para a esquerda e vira um emaranhado onde é impossível costurar com o carro de uma tonelada. Nota-se uma necessidade urgente de educação de trânsito quanto ao comportamento na presença do veículo de emergência, seja ele policial, bombeiro, Samu ou agente de trânsito.

Vardil alerta ainda para outro fator que vem prejudicando o trabalho dos condutores de ambulância:

— O uso de telefone. Você com vidro fechado e no telefone não vai escutar a sirene. Então muitas vezes a gente chega na traseira do veículo, a sirene alta, buzina, e a pessoa não percebe. Nem todo mundo sabe. Às vezes dois, três, quatro minutos numa parada cardiorrespiratória, pode ser fator de vida ou morte para a vítima e a gente lida com isso.

Ele volta a lembrar o resgate do morador de rua que havia caído no Ribeirão Arrudas:

— Essa ocorrência me marcou porque quando eu acessei a vítima ela olhou para mim e disse “obrigado”. Ela não questionou “poxa você demorou” ou então “nossa vieram muito rápido”. “Obrigado!” Isso é que alimenta o coração. Era um morador de rua. Um cidadão marginalizado pela sociedade, que às vezes não tem nem nome, “aquele marginal ali”. Não! É um cidadão!

Reportagem especial da Rádio Senado aborda os desafios da profissão de condutor de ambulância e a luta da categoria pelo reconhecimento das peculiaridades desse trabalho. Os cinco capítulos da série estão reunidos no áudio abaixo:

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