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CPI da Previdência faz primeiro balanço Após quatro meses de trabalho, em que ouviu 114 representantes de diferentes áreas, comissão mantém divergências com o governo

Guilherme Oliveira, da Agência Senado

Na semana passada, completou-se o primeiro prazo de trabalho da comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado criada para investigar a situação das contas da Previdência Social brasileira. Idealizada em março, na esteira de uma série de manifestações em todo o país contra a reforma da Previdência, a CPI organizou um balanço do seu primeiro período de atividades e já deu início a uma nova etapa de audiências.

A CPI da Previdência foi criada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que assumiu a sua presidência, e surgiu com o objetivo de determinar se há um déficit na Previdência Social que seja motivo para uma reforma estrutural do setor.

Em quatro meses, a comissão realizou 24 audiências públicas, nas quais ouviu 114 representantes de diferentes áreas: sindicalistas, professores, advogados, empresários e autoridades públicas, entre outros. O calendário continua em movimento: após uma pausa de duas semanas, necessária para a formalização da prorrogação dos trabalhos, o colegiado já promoveu mais um encontro na manhã desta quinta-feira (14).

Presidente da CPI, Paim conduz debate ao lado de Hélio José, relator (foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Apesar de a CPI ainda ter dois meses de atividade pela frente, Paulo Paim afirma que já é possível concluir “sem sombra de dúvida” que a Previdência é, na verdade, superavitária, e que há uma falha na contabilidade oficial.

— [A partir] das audiências e no cruzamento dos dados, a gente tem certeza absoluta. Se os governos tivessem respeitado aquilo a que se destina a Previdência, que nós [constituintes] escrevemos, o superávit tranquilamente seria muito maior do que é hoje. E este governo respeita menos ainda — afirma ele.

Déficit

O secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, foi ouvido pela CPI no último 17. Ele mostrou, na ocasião, gráficos que descrevem a evolução das despesas e das receitas previdenciárias ao longo do tempo. Segundo Caetano, os desembolsos de benefícios pela Previdência aumentam num ritmo superior às contribuições, e já são maiores do que estas desde 1995. Desde então a diferença vem aumentando, e tudo se agravou nos últimos três anos, quando as receitas previdenciárias caíram.

— Claro que há, sim, questões conjunturais que afetam a arrecadação e a despesa, mas essa série histórica de mais de duas décadas indica que não é uma questão meramente conjuntural — observou.

Segundo Caetano, o caixa da Previdência fechou o ano de 2016 com um déficit de R$ 151,9 bilhões. A situação é ainda pior no caso do regime previdenciário dos servidores públicos. Além do déficit financeiro – também na casa dos R$ 150 bilhões – Caetano apontou para o déficit atuarial (diferença entre o que se espera receber e pagar ao longo da vida dos segurados) dessa modalidade, que já teria ultrapassado os R$ 6,6 trilhões. Para efeito de comparação, o PIB do Brasil em 2016 foi de R$ 6,2 trilhões.

— Ou seja, mesmo se nós dedicássemos toda a produção de um ano do país, não seria suficiente para pagar o déficit atuarial dos regimes próprios. Alguém vai ter que pagar isso. Se existe uma diferença entre o total de benefícios e o total de contribuições, esse recurso vai vir da sociedade como um todo — alertou o secretário.

Caetano, secretário da Previdência: 2016 fechou com déficit de quase R$ 152 bi (foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Para Paulo Paim, no entanto, a situação não é bem essa. Ele destaca que a Previdência deveria receber financiamento vindo de várias outras fontes, não apenas das contribuições de trabalhadores e seus patrões. Quando essas fontes são incluídas no cálculo, a Previdência revela-se superavitária.

— Só que esse dinheiro todo não vai para a Previdência. Ele é desviado no meio do caminho para outros fins.

Entre essas outras fontes estão a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa Integração Social (Pis), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e repasses das loterias federais.

Os representantes do governo que falaram à comissão, no entanto, argumentam que todas essas receitas têm a determinação legal de custear a Seguridade Social, que é o “braço do orçamento federal dentro do qual está a Previdência. A Seguridade engloba, ainda, a saúde pública e os benefícios assistenciais. Dessa forma, os valores provenientes dessas fontes externas não podem ser creditados diretamente à Previdência.

Demografia

Com a reforma, o governo pretende sanar o que vê como problemas estruturais que prejudicam o desempenho da Previdência. Esses problemas se devem em grande parte, afirmou Marcelo Caetano, à demografia do Brasil. O secretário afirmou que a população está envelhecendo a um ritmo muito acelerado.

— Isso coloca um desafio substancial para o futuro do sistema previdenciário brasileiro, porque indica um número cada vez maior de pessoas em idade para receber o benefício comparativamente ao número de pessoas em idade para recolher as contribuições. Em função disso, faz-se necessária a adoção de políticas novas de previdência, de ajustes no sistema previdenciário, justamente para manter a sustentabilidade do regime e a garantia do pagamento das aposentadorias e pensões no futuro — advertiu o secretário.

Atualmente, os 17,6 milhões de idosos brasileiros representam 8% da população. A expectativa é que, em 2060, esse contingente chegue a 58,4 milhões, ou 27%. Hoje existem 12 trabalhadores contribuintes para cada aposentado; em 2060, segundo as previsões, serão apenas 4.

Envelhecimento da população é apontado como um dos fatores para a reforma (foto: Lia de Paula/Agência Senado)

A CPI, no entanto, não confia nessas projeções. O balanço dos trabalhos da comissão as classifica como “frágeis e inconsistentes”, e lembra que o próprio IBGE aponta que a taxa de aumento da população idosa entrou em queda – ou seja, a quantidade de idosos continua crescendo, porém a um ritmo menor a cada ano.

Cobrança

Durante sua participação em audiência pública na CPI presidente da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Antonio Romero, reconheceu que é preciso promover ajustes à Previdência em decorrência das mudanças demográficas. Entretanto, ele afirmou acreditar que esse não seja o principal problema. Para ele, a estrutura fiscalizatória precisa ser aprimorada.

— Isso é evidente. Nós clamamos por isso. Quando, em 2007, foi unificada a receita previdenciária com a Receita Federal, havia 4.180 auditores fiscais da Previdência Social. Hoje nós temos somente cerca de 900 auditores dedicados a esse trabalho. É óbvio que foi deixado em segundo plano o trabalho de combate à sonegação previdenciária — explicou.

A mesma situação é registrada na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, conforme explicou Achilles Linhares de Campos Frias, presidente do sindicato nacional dos procuradores do órgão (Sinprofaz).

— Existe um sucateamento deliberado da Procuradoria, que tem uma estrutura precária, não tem quadro de servidores. O procurador não tem quem faça consulta de dívida, quem localize o devedor, e na sequência, quando ele não é encontrado, quem procure os seus bens. A Procuradoria não tem mais condições de trabalhar, está sendo paralisada. Metade do orçamento, diminuído para este ano, já foi contingenciado — denunciou o sindicalista.

Para auditores, falta de estrutura de fiscalização compromete receitas (foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

Segundo os dirigentes sindicais, esse quadro provoca um acúmulo de débitos não coletados, quadro que se agrava com os repetidos programas de anistia e refinanciamento de dívidas promovidos pelo governo federal em benefício a diferentes setores da economia. Assim, a arrecadação da Previdência não se recupera.

A dívida ativa da União, que abarca todos os valores devidos aos cofres públicos federais, ultrapassou R$ 1,8 trilhões ao final de 2016. Já a dívida ativa previdenciária fechou o ano em R$ 432,9 bilhões. No entanto, parte dessa dívida é considerada como de recuperabilidade remota – quando se refere, por exemplo, a empresas já falidas.

A parcela da dívida previdenciária que está fora do alcance dos procuradores é um ponto de discordância. O secretário Marcelo Caetano classifica dessa maneira mais da metade do montante. A Anfip, por sua vez, fala em pouco menos de 20%.

Gestão

O presidente da CPI da Previdência, Paulo Paim, já adiantou que a comissão deve produzir propostas legislativas destinadas a dar melhor estrutura para os auditores fiscais e procuradores da Fazenda e a criar instrumentos de aceleração da execução das dívidas. Ele disse também esperar que os debates joguem luz sobre os programas de refinanciamento, que classifica como “ideia maldita”:

— Se a convicção que a gente vai formulando diz que o problema é de gestão, é isso que vamos organizar. A conclusão vai ser nesse caminho: é só melhorar a gestão e executar a dívida dos grandes devedores — resumiu.

Parte da dívida ativa previdenciária, R$ 432,9 bi no final de 2016, é de difícil recuperação (foto: Antonio Cruz/ABr)

A CPI não deve propor alterações ao projeto de reforma da Previdência. Isso porque o seu objetivo, explica Paim, é discutir os próprios fundamentos da reforma. O senador espera que, ao final das atividades, tenha conseguido convencer os colegas de que a reformulação da Previdência Social seria um equívoco.

— Não estamos discutindo a reforma da Previdência, estamos discutindo se tem déficit ou não. A reforma é um passo à frente. Este documento vai servir de subsídio para deputados e senadores perceberem que essa reforma, como está sendo proposta, não é necessária.

SAIBA MAIS

Texto da reforma da Previdência – PEC 287/2016

Audiências públicas da CPI da Previdência:

Balanço da CPI da Previdência

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