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Cónego Fernando Monteiro Visionário. Audaz. Amigo

O Cónego Fernando Teixeira Alves Monteiro nasceu a 26 de Fevereiro de 1945 e foi ordenado a 15 de Agosto de 1969, com 24 anos. A sua vida e serviço pastoral foram pautados pela dedicação aos mais frágeis, a quem escutava, amparava e ajudava incansavelmente.

Ficou conhecido por toda a cidade de Braga como uma pessoa de grande bondade e proximidade, muito acessível, um trabalhador incansável e confidente de inúmeras pessoas.

A acção social foi a grande paixão do Cónego Fernando, o que se verifica pela diversidade de projectos nesta área aos quais será para sempre associado. Também muitos anónimos iam ao seu encontro. Não é possível exprimir em números a quantidade de pessoas a quem ofereceu emprego ou deu dinheiro do seu próprio bolso.

Lidou com pobreza envergonhada e manifesta. Não era invulgar vê-lo interpelar arrumadores na rua, perguntando-lhes se queriam emprego.

Foi director da Oficina de São José, fundador do Projecto Homem, Vigário Episcopal da Acção Sócio-Caritativa e Presidente da Irmandade de S. Bento.

Os amigos reconhecem-lhe mais duas grandes preocupações. Enquanto pároco de São José de São Lázaro, o Cónego Fernando cuidava com todo o esmero da catequese, ajudando crianças e jovens a crescer na fé.

Garantia que nada lhes faltasse a nível de condições e instalações, de modo a que ficassem devidamente instalados e inseridos na Igreja. Renovou e ampliou toda a igreja e o Centro Social da paróquia.

O Cónego Fernando reestruturou e revolucionou vários locais pelos quais foi passando, muitas vezes começando do zero. Ajudou a preparar várias instituições e organizações para o futuro com investimentos e ideias inovadoras.

Para além de um espírito humanista incontornável, destacou-se igualmente na área empresarial, tendo garantido a subsistência e sucesso do Jornal Diário do Minho numa altura em que os investimentos eram impensáveis. Foi ecónomo da Arquidiocese e Seminários, Gerente da Empresa do Diário do Minho e Tesoureiro do Cabido Primacial da Sé.

Nem quando as forças deixaram de ser as mesmas se desligou do Grupo Diário do Minho, fazendo questão de estar presente nas mais diversas etapas da empresa. Continuou, até hoje, a orientar e guiar todos os trabalhadores, nunca se cansando de os incentivar.

Se há mais de uma década baptizou e apadrinhou a Revista Minha, actualmente estava feliz por vê-la renascer. Forneceu orientações e conselhos preciosos a toda a equipa. Sem eles, o mais recente órgão de comunicação do Grupo não existiria.

Apesar de nos últimos anos ser bastante conhecido pelo seu envolvimento na área empresarial e economia, foi sempre um apaixonado pela pacatez e pela espiritualidade.

A sua casa em S. Bartolomeu do Rego, Fafe, era o seu refúgio. O Cónego Fernando gostava do silêncio e da serenidade. Homem de família, tinha o hábito de a reunir em sua casa todas as semanas.

De todos os objectivos que traçou, só um ficou por cumprir: dar alguns anos da sua vida em missão "ad gentes". Nos últimos meses manifestou sempre esse desejo.

Mais do que um líder ou empreendedor, a Arquidiocese de Braga perdeu hoje um amigo.

"Estou convencido de que quem não investe fica para trás": Entrevista ao Cónego Fernando Monteiro [12.04.2018]

Ecónomo da Arquidiocese e Seminários, gerente da Empresa do Diário do Minho, director da Oficina de São José, fundador do Projecto Homem, Vigário Episcopal da Acção Sócio-Caritativa. Estas foram algumas das missões do Cónego Fernando Monteiro, que acredita na criatividade e ousadia como receitas para o sucesso de uma casa.

O que faz um ecónomo?

Essa é uma pergunta que ainda no ano passado me foi colocada por um juiz. E eu fiquei assim um bocado preocupado – admirado até! – pela sua ignorância. Expliquei-lhe então que vem do grego “oikos”, que significa “casa”. De maneira que nós chamamos ecónomo, economia, ao governo da casa. Neste caso é a diocese a casa que me incumbiram de governar durante quase 12 anos.

Tarefa que não deve ser fácil…

Não, não é, mas foi-se fazendo (risos).

"Nem tudo é sucesso na vida, temos que também saber aceitar com humildade os fracassos e transformá-los."

São quase três décadas ligado ao Diário do Minho e à Oficina de S. José. Consegue imaginar a sua vida sem estas valências?

Eu nunca procurei essa ligação, as coisas é que aconteceram nesse sentido. O Sr. D. Eurico Nogueira chamou-me para ser Director da Oficina de S. José por uma razão simples: fundei o Projecto Homem. Como eram duas instituições que iam dividir o mesmo espaço, D. Eurico teve a perspicácia de dizer que era conveniente que o Director fosse o mesmo, o que simplificava as coisas. Estou à frente da Oficina de S. José há cerca de 26 anos, coincidiu com a fundação do Projecto Homem.

Por que acha que D. Eurico o “convocou”?

Eu era Vigário Episcopal da Acção Sócio-Caritativa quando vim para Braga. Comecei a minha vida enquanto pároco numa zona operária, ainda antes do 25 de Abril. Quando D. Eurico verificou o que eu tinha feito numa paróquia tão pequena, que tinha uma obra orçamentada em 60 mil contos e que levei a cabo sem um tostão… D. Eurico até me chamava Belmiro de Azevedo (risos)! Foi ao constatar isto que o Arcebispo achou que eu tinha qualidades para ser o Vigário. Incumbiu-me então de ser pároco de S. Lázaro. Quando cheguei deparei-me com dívidas de obras na paróquia e procurei superar isso através do aumento da parte social que já existia lá. Por essa razão é que se criou como resposta à toxicodependência o Projecto Homem.

Não deve ser fácil ter assim tantos cargos… é muita responsabilidade.

Responsabilidade é… Mas também é importante delegar! A Oficina, desde que constituímos uma equipa técnica por obrigação do Estado, libertou-me muito. Apesar de o Estado muitas vezes se aproveitar das instituições para exigir mais qualidade sem financiar essa mesma qualidade… Na Oficina também encontrei um défice grande. E assim eu e a Direcção tivemos que encontrar fontes de receita para suprimir esta carência. Um parque de estacionamento, salas alugadas… Tudo formas de suportar uma maior qualidade que começámos a imprimir na educação dos nossos miúdos. Quando fui para a Oficina, uma das primeiras medidas que tomei foi acabar com a loiça em alumínio, com o papel higiénico ser o que não se lia nos jornais… Perante o constrangimento financeiro, eu achava que tínhamos de ser criativos para criar melhores condições para os nossos meninos.

Sente-se orgulhoso quando vê que tantos jovens vingaram na vida graças à Oficina?

Fico contente, não fico orgulhoso… fico satisfeito! E fico triste quando também encontro fracassos. Porque isto também acontece muitas vezes numa família, querer o melhor mas acontecerem falhanços. Evidentemente que nem tudo é sucesso na vida, temos que também saber aceitar com humildade os fracassos e transformá-los. É por isso mesmo que a dor se transforma em amor, a morte em vida… Isso é que é a Páscoa!

A Oficina e o Diário do Minho deram-lhe muitas noites sem dormir?

Quando um homem que a diocese certamente reconhece, o Monsenhor Vaz Coutinho – que foi ecónomo dos Seminários, gerente da Empresa do Diário do Minho e responsável por S. Bento da Porta Aberta – colapsou em termos de saúde, o Sr. D. Eurico ficou preocupado. E agora? E procurou outras soluções. Passei momentos difíceis ao substituí-lo, porque o Monsenhor era um homem que tinha muitas, muitas tarefas. Logo nos primeiros dias deparei-me com uma realidade laboral de 24 horas. Ia desmoronando quando passei noites sem ir à cama nas primeiras semanas. Conhecer isto tudo, fazer a triagem de tudo o que pertencia a S. Bento, aos Seminários, à Empresa do Diário do Minho… Não tinha nenhum dossier, tive que fazer essa triagem até chegar ao ponto em que uma simples gripe ia dando cabo de mim.

Mas não deixou de meter logo “mãos à obra”. Teve medo?

Claro. Eu nunca tinha tido a experiência, conhecimento teórico ou prático que me mostrasse o que era uma empresa que trabalha 24 horas por dia. Mas também ficava com medo de outras coisas. Ficava apavorado por o nosso jornal só chegar à periferia da diocese dois dias depois de estar terminado! Muitas vezes o jornal acabava de ser impresso às oito da manhã. Eram as máquinas planas que imprimiam, estavam toda a noite a imprimir e depois ainda era preciso dobrar os cadernos, um sistema muito artesanal ainda. O concelho ou arciprestado que mais assinantes tinha era Vila Verde. Era o sítio mais próximo onde chegava o jornal distribuído de manhã nos quiosques. Em todos os outros arciprestados, para que fosse distribuído no mesmo dia, era preciso chegar aos correios do Porto às quatro da manhã. E isso não era possível. Um dia, por acaso, chegou-me uma publicidade sobre uma máquina – a primeira que nós comprámos – que imprimia o jornal de uma só vez. E isto obrigou-me a fazer contas: o que é que nós poupávamos? O que é que aproveitávamos? Fiz uma folhinha, sem conhecimento nem formação contabilística, uma espécie de Excel, e disse ao D. Eurico que precisávamos de fazer um investimento de 200 mil contos (risos)! Isto deu muitas dores de cabeça! Tanto assim foi que eu disse-lhe logo em 1997, 1998, que até ao fim do ano podia contar comigo para continuar, mas depois tinha que arranjar outro. Mas ele disse que não, que não… E acreditou sempre em mim, porque lhe apresentei naquela folha um mapa dos proveitos, custos e eficácia deste investimento. Foi o primeiro que fizemos, há cerca de 18 anos. Apostámos nisto, até fui acusado de que ia dar cabo da empresa do Diário do Minho, que era um gastador… Mas hoje estou convencido de que quem não investe fica para trás. É preciso haver sempre disponibilidade e coragem para investir.

As mudanças de instalações também foram um investimento?

Sim. Tivemos que ter depois a coragem de mudar a localização da Gráfica porque as novas máquinas já não cabiam em Santa Margarida. Os camiões TIR não conseguiam descarregar o papel, era preciso marcar horas… Encontrámos aquela hipótese lá em baixo na Grundig e adquirimos uma área até superior às nossas necessidades. E fizemos isso porquê? Porque eu também era director da Oficina de S. José e aproveitei a aquisição daquele espaço como forma de financiamento. Assim ficavam também ali as artes gráficas, única actividade que sobreviveu – porque a Oficina sempre teve alfaiataria, sapataria… – e da qual eu não queria ser o coveiro. Por isso mesmo fizemos também uma renovação, investimos, o que deu alguma sustentabilidade à Oficina.

É um homem do tempo do papel. Como vê esta chegada da era digital?

Sabe, eu cheguei a ser também presidente do Conselho Fiscal da Associação de Imprensa Cristã. E ficava sempre preocupado quando numa associação de imprensa cristã as pessoas ficavam apavoradas com o digital. Quer dizer, então nós não acreditamos que ainda hoje é importante o papel? Eu sou um cooperativista, acredito plenamente que a solução laboral e do bem estar não é o lucro. O lucro é precisamente envolver as pessoas nos riscos, mas também nos êxitos.

Dizem que a união faz a força.

Exactamente, por isso mesmo é que tenho também muita satisfação por ser o fundador de uma cooperativa na área da restauração. Também foi um espinho muito grande no início, as pessoas não entendiam. Mas hoje de facto estão vencidas e convencidas pelo êxito dessa cooperativa. Eu também acreditava que se houvesse um verdadeiro espírito eclesial a nível deste país, todas as ordens, institutos e dioceses podiam precisamente unir-se e fazer uma cooperativa de comunicação social.

"O que eu desejo é que a empresa do Diário do Minho e as suas formas de comunicação e divulgação da mensagem cristã sejam fonte de sucesso. Gostava que todos se sentissem envolvidos nesta mensagem, que é profundamente humanizadora."

A sua ousadia foi bem vista pelas outras pessoas?

(risos) Houve um director de um Banco que um dia, quando fiz o primeiro investimento, veio do Porto conhecer o “louco” do padre que queria precisamente investir precisamente duzentos mil contos num jornal. Seis anos depois, quando o investimento foi pago e foi necessário fazer um novo, esse mesmo senhor ligou-me para o telemóvel a dizer que este último estava aprovado. E convidou-nos para almoçar. No almoço pediu-me autorização para dizer uma asneira que seis anos antes tinha dito a meu respeito, que tinha chegado a dizer que eu era louco (risos). Pediu-me para não levar a mal e claro que não levei, ainda hoje é um grande amigo nosso.

Os jornais impressos vão deixar de existir?

É difícil responder. Nós podemos ser os coveiros de uma civilização. Temos gente a pensar, mas a não saber ler nem escrever. Mas não sei responder assim taxativamente, dogmaticamente.

Já se vem falando nisso há algum tempo…

Os sintomas estão aí!… E este é também um grande desafio para os jornalistas, que devem procurar abrir os horizontes. (…) É natural que agora as mudanças sejam cada vez mais céleres e imprevisíveis. É por isso mesmo que ninguém pode dizer que tem o seu lugar permanente. Temos que estar sempre abertos, disponíveis e polivalentes.

O que sonha para o Diário do Minho?

O que eu gostaria é que tivesse sempre muito sucesso. Não em termos de proveitos monetários, mas gostava que realmente as pessoas que estão envolvidas numa empresa se sentissem bem. A primeira condição seria precisamente um salário que ajudasse à realização de cada um e da sua própria família. (…) Portanto, o que eu desejo é que a empresa do Diário do Minho e as suas formas de comunicação e divulgação da mensagem cristã sejam fonte de sucesso. Gostava que todos se sentissem envolvidos nesta mensagem, que é profundamente humanizadora.

A sua experiência na área social ajudou-o nos outros cargos?

Eu não tive formação económica ou financeira. A nomeação como Vigário Episcopal da Acção Sócio-Caritativa foi a única experiência que tive. Cheguei a ouvir o desabafo de algumas mães que se levantavam às cinco da manhã e não podiam acordar os seus meninos porque tinham de estar às seis horas na fábrica… Que se levantavam em pés de lã e que se os meninos calhassem de acordar e chorar, era a chorar que ficavam e a mãe ia a chorar para o trabalho! Lembro-me que em 1973 houve duas crianças que morreram, atearam um incêndio na sua própria casa. Fiz o funeral das duas meninas e na altura fiquei sensibilizado por ouvir as outras pessoas dizerem que a mãe era uma desleixada… A mãe estava a trabalhar num fábrica e eu perante aquelas afirmações disse no funeral: “o culpado destas meninas morrerem sou eu”. É que não basta estarmos todos os dias aqui e aos Domingos numa de “Pai-Nosso que estás nos Céus” e “somos irmãos” e as mães a trabalhar em laboração contínua, com as crianças pela rua…

O jornalismo pode ajudar a denunciar esse tipo de situações? Ou mesmo a preveni-las?

Ah sim, sem dúvida. O jornalismo tem de ser a voz daqueles que não têm voz. Causei esse escândalo ao dizer que era eu o culpado porque não ficava satisfeito só em reunir uma comunidade e rezar. E depois no concreto?…

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