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A crise na Segurança pública Versão completa MULTIMÍdia do especial cidadania

Nelson Oliveira, da Agência Senado

Quando no dia 30 de junho uma bala perdida atingiu o bebê Artur, ainda na barriga da mãe, durante tiroteio entre policiais e criminosos em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, os brasileiros incorporaram mais um choque à extensa lista de episódios que marcam há décadas o dia a dia de um país efetivamente inseguro, segundo a avaliação de várias instituições especializadas no tema. A circunstância em que Artur foi baleado, em plena perseguição da Polícia Militar a traficantes da Comunidade do Lixão, é o principal ingrediente do atual quadro de insegurança: a incapacidade do Estado de oferecer proteção aos cidadãos de forma sistemática, continuada e abrangente.

O temor de ser assassinado acomete 62,4% dos brasileiros, segundo sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No Nordeste e no Centro-Oeste, o percentual chega a 72,9% e 70,4%, respectivamente. Isto quer dizer, conforme o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Arthur Trindade, que um dos pilares básicos da cidadania vem sendo seriamente alvejado:

— O nível de violência e criminalidade leva a que o país tenha uma alta taxa de medo, o que afeta as condições de vida de deslocamento e de trabalho dos brasileiros. A segurança é um direito que está inscrito entre os direitos civis e é um dos mais básicos desses direitos. Uma das justificativas para nos submetermos ao Estado é o de ele nos dar segurança, o que não está ocorrendo — avalia o acadêmico, que ocupou o cargo de Secretário de Segurança do Distrito Federal nos 11 primeiros meses do governo Rodrigo Rollemberg (PSB), a partir de janeiro de 2015.

Diante da crise, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, anunciou, nesta quarta-feira (2), que a partir da semana que vem vai se reunir com os líderes partidários e demais senadores para elaborarem uma pauta prioritária com projetos de lei e outras propostas relativas a melhorias na segurança pública. "Nesse recesso, constatamos em nossos estados o quão difícil está para as pessoas transitarem nas ruas, o quanto essa questão do crime organizado foi fortalecida. Vamos pegar todos os projetos que estão nas comissões e fazer uma pauta da segurança pública", disse Eunício em Plenário conforme a Agência Senado.

Eunício Oliveira vai apresentar pauta prioritária da segurança pública

Outro aspecto do incidente envolvendo o bebê de Claudineia dos Santos Melo e Klebson da Silva, que tentaram a concepção do filho durante dois anos e agora lamentam sua morte, é o ambiente de violência letal responsável por dizimar a maior parte dos milhares de brasileiros assassinados, segundo aponta a edição de 2017 do Atlas da Violência 2017: localidades pobres, com alta incidência de crimes, e nas quais os jovens, principalmente negros, estão vulneráveis, sob várias formas, tanto à ação de criminosos quanto das forças de segurança. O Atlas da Violência é elaborado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

A mesma constelação de mazelas foi mapeada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens, cujo relatório, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), obteve aprovação em 8 de junho de 2016. “A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Genocídio da população negra é a expressão que melhor se enquadra à realidade atual do Brasil”, disse ele na ocasião.

Senador Lindbergh Farias, relator da CPI do Assassinato de Jovens: estamos em meio a um "genocídio"

Ao comentar em entrevista à Rádio Senado os números apresentados pelo Atlas 2017, a presidente da CPI, senadora Lídice da Mata , observou no dia 8 de junho passado: “o diagnóstico está mantido. É preciso agora avançar nas causas e na adoção de medidas para combater o desenvolvimento da violência no Brasil”.

A parlamentar advertiu para a necessidade de políticas públicas destinadas a resolver o problema, não só em razão da violência que afeta especificamente os homens jovens, negros e pobres, mas da escalada de homicídios de uma maneira geral. O relatório da CPI fala em 56 mil assassinatos por ano no Brasil, em 2013, o que equivale a 29 mortes por 100 mil habitantes, taxa considerada alta demais pela ONU. O próprio Atlas da Violência, no entanto, aponta a ocorrência de 57.396 homicídios naquele ano. Em 2015, esse número chegou a 59.080, o que nos remete a 28,9 por 100 mil habitantes, crescimento de 22,7% sobre 2005, quando foram registrados 48.136 assassinatos.

— Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Datafolha mostra que um em cada três brasileiros tem algum parente, amigo ou conhecido na condição de vítima de homicídio ou roubo seguido de morte. O Brasil é responsável por 10% dos homicídios no mundo e temos menos de 3% da população do planeta — alerta Trindade.

Os dados do Atlas, obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, e eventualmente cruzados com números dos órgãos de segurança pública, corroboram o que os estudiosos classificam como “contornos inimagináveis” da violência: “apenas em três semanas são assassinadas no Brasil mais pessoas do que o total de mortos em todos os ataques terroristas no mundo nos cinco primeiros meses de 2017, que envolveram 498 atentados, resultando em 3.314 vítimas fatais”. A menção ao terrorismo faz recordar as cenas das rebeliões em vários presídios no início do ano quando conflitos entre facções e as péssimas condições as unidades prisionais levaram à execução, muitas vezes por degola, de dezenas de presos. No momento há outra associação inevitável: com o cenário das tropas do Exército que policiam o Rio depois um recrudescimento da violência provocado principalmente pela grave crise financeira por que passa o estado.

Números da violência no Brasil

O viés racial dos homicídios registrados no Atlas é indiscutível: enquanto a taxa de homicídios de negros era de 37,7 por 100 mil pessoas em 2015, com crescimento de 18,2% sobre 2005, a taxa de homicídios de não negros era de 15,3 por 100 mil habitantes, com queda de 12,2 % entre 2005 e 2015.

Observando-se a população jovem como um todo, vê-se que os cidadãos na faixa de 15 a 29 anos apresentaram uma taxa de homicídios de 60,9 por 100 mil habitantes em 2015, ao passo que no recorte dos homens entre 15 a 29 anos, essa taxa cresce para 113,6 por 100 mil habitantes. Dos quase 60 mil mortos em 2015, 31.264 eram jovens, o que é apontado pelos Atlas como uma perda que não pode ser medida em termos do sofrimento das famílias, mas que seguramente é desastrosa do ponto de vista da força de trabalho e da economia.

O Atlas registra sob o irônico rótulo de “juventude perdida” o assassínio de mais de 318 mil jovens entre 2005 e 2015. É como se cidades do porte de Uberaba (MG) ou Cascavel (PR) tivessem toda a sua população exterminada em dez anos.

Testemunho de mulheres integrantes do movimento Mães de Maio sobre o assassinato de seus filhos por policiais

Como mudar esse panorama, no qual uma pessoa é morta a cada 9 minutos?

É o que discutiu o Fórum de Segurança de 17 a 19 de julho, em São Paulo, por meio de grupos de trabalho encarregados de temas como a reforma do aparato policial, que tem “uma das menores taxas de confiança nas polícias da América Latina”, de acordo com o FBSP. Pesquisas realizadas pela instituição concluem que “cidadãos insatisfeitos com a polícia relutam em dar queixa de algum crime, não fornecem informações ou cooperam com os policiais e tendem a perceber suas ações como ilegítimas, impactando negativamente na eficiência da atuação policial”. Crimes não notificados e ou não esclarecidos retroalimentam o cenário de violência em razão da impunidade e da falta de informações que orientem a prevenção e a repressão policial. “As polícias dependem da população para que seu trabalho seja eficiente, e a população precisa de polícias dispostas ao diálogo”, defende o fórum.

Entre os pontos desse grupo de trabalho figurava a participação social na segurança pública, algo que só começou a se ensaiar nos anos 2000, de acordo com Trindade, mas que já é uma realidade positiva em muitos países desde os anos 80. O sociólogo menciona a experiência dos Conselhos Comunitários de Segurança do Distrito Federal (Conseg) como “uma boa novidade” encontrada hoje em quase todos as capitais.

Arthur Trindade: conselhos de segurança já deveriam estar atuando desde os anos 80

— O problema é fazer com que as demandas se consubstanciem em ações efetivas por parte do governo. Há aí um gargalo. Aumentou a participação popular e temos mais conselhos, mas a participação tem de se reverter em ações e políticas mais eficazes — pondera o ex-secretário de segurança.

“Em meio à verdadeira crise civilizatória por que passa o país, onde mais de 60 mil pessoas são assassinadas a cada ano, o país se ressente da ausência de uma política nacional efetiva de segurança pública, baseada em diagnósticos precisos, com princípios e objetivos claros, de modo que se possa construir um planejamento estratégico, em que as ações sejam monitoradas e os resultados avaliados”, afirma o economista do Ipea Daniel Cerqueira, no anuário do Fórum de Segurança de 2016. Cerqueira é também o coordenador do Atlas da Violência.

Daniel Cerqueira: segurança pública precisa ter diagnósticos precisos, objetivos claros e ações estratégicas

O que a publicação do Ipea aponta é “falta de comprometimento” das autoridades com políticas de segurança. Mas as debilidades são grandes mesmo onde há alguma política implantada e em razoável funcionamento. “Políticas públicas são importantes, mas infelizmente, os últimos episódios da greve da PM capixaba, bem como do recrudescimento da violência letal em Pernambuco após 2013, nos mostram o quão frágil é o equilíbrio em torno das políticas efetivas de segurança pública”, registra o Atlas.

Há ainda muitos obstáculos no caminho de tais políticas. Uma delas diz respeito a lacunas em matéria de dados. O próprio Cerqueira pesquisou o crescimento de mortes com causas não esclarecidas em alguns estados, a partir de 2007, e concluiu que, em média, 73,9% dessas “eram na verdade homicídios classificados erroneamente, decorrentes muitas vezes das falhas de compartilhamento de informações entre as organizações que compõem o Sistema de Informação sobre Mortalidade. Assim quando há uma grande proporção desses homicídios, frequentemente há falhas graves na investigação e as taxas de homicídios devem estar subestimadas.

As taxas de homicídios registrados nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco “inspiram cautela”, segundo o Atlas, “uma vez que a proporção de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) em relação ao total de homicídios assumiu patamares elevados”, atingindo, respectivamente as marcas de 40,8%, 30,4%, 29,2% e 21,9%.

Greve da PM no Espírito Santo mostrou a fragilidade das políticas de segurança pública (Foto: Tânia Rêgo/ABr)
Saiba mais:

Atlas da Violência

Relatório CPI Assassinato de Jovens

Anuário 2016 Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Sistema de Indicadores Sociais – Ipea

Orçamento – Siga Brasil

Violência policial

Como resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens, o Senado deu, em maio de 2017, um importante passo para coibir a violência policial e suas consequências, entre as quais os homicídios de pessoas em confronto com as forças de segurança. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou no dia 3 o PLS 239/2016, que altera o Código de Processo Penal (CPP), suprimindo do artigo 292 o chamado "auto de resistência", relato sucinto redigido por policiais sobre ações onde há um confronto com vítima entre policiais e suspeitos . A nova redação do CPP deixa claro que os agentes do Estado poderão usar, moderadamente, dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência à prisão. Havendo feridos ou mortos no confronto com as forças de segurança, será, necessariamente, instaurado inquérito.

O PLS 239/2016 seguiu para exame do Plenário do Senado, onde recebeu emendas, que serão agora apreciadas pela CCJ.

O objetivo da matéria é o de combater a impunidade de policiais em casos de mau uso dos autos de resistência, que na maioria das vezes são suficientes para evitar a instauração de inquérito para apurar o ocorrido. A relatora da matéria, senadora Lídice da Mata (PSB-BA) lembra que os autos de resistência têm sido muito usados por agentes de segurança, garantindo-lhes impunidade no caso de assassinatos, principalmente de jovens pobres e negros. Ela citou a opinião de juristas que são contra a elaboração dos autos quando há morte por se tratar de um "autêntico subterfúgio para evitar o flagrante de homicídio".

De acordo com o Atlas da Violência 2017, a categoria “Intervenções legais e operações de guerra”, do Sistema de Informações do Ministério da Saúde (SIM), “continua apresentando um alto grau de subnotificação, como confirmam os números da segurança pública”. Em 2015, o SIM registrou apenas 942 casos mortes em consequência de intervenções legais, enquanto a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais. Ou seja, 3,5 vezes o número de registros da saúde.

“Para além da necessidade de rever os protocolos de registro para esses casos pela área da saúde, devemos insistir na mudança de um modelo de segurança pública que, se não promove, é conivente com o uso abusivo da força letal e execuções sumárias, ao mesmo tempo que expõe e vitimiza cada vez mais os seus agentes”, afirma o Atlas. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2015, ao menos 358 policiais civis e militares constam das estatísticas de mortos por homicídio.

Em razão das mortes do outro lado, o país já recebeu condenações, uma delas aplicada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em sentença do dia 16 de fevereiro de 2017 relativa ao Caso Favela Nova Brasília. Ali, entre 1994 e 1995, foram executadas 26 pessoas extrajudicialmente.

Vítimas da chacina da favela Nova Brasília: Brasil foi condenado na OEA (Foto: CEJIL)

Conforme o Anuário de 2016 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os policiais, que matam “ao menos nove pessoas por dia”, sofrem igualmente com o quadro de insegurança, mas são mortos três vezes mais fora de serviço do que em serviço. O Anuário critica a postura da população que pouco se importa com a morte [por intervenção policial] de jovens negros das periferias, “já que estes compõem a parcela da população que fica invisível para a sociedade e para as políticas públicas”. Vale dizer: não sãos cidadãos de fato.

No entender de boa parte dos brasileiros, segundo o anuário a violência é uma “resposta legítima à criminalidade” e configura a busca de “inimigos a serem eliminados” em face de um “sistema de justiça criminal e de segurança pública falido”.

Contudo, os autores do relatório afirmam que “há saídas e há esperança”. Unidades da Federação que dão prioridade ao enfrentamento do problema e têm planos específicos de redução das mortes violentas intencionais aparentemente têm obtido “mais êxito na redução das suas taxas do que estados que fazem mais do mesmo e/ou não inovam”.

Integrar e articular iniciativas mostra-se “uma ferramenta poderosa de transformação”, de acordo com ao anuário. Na visão do professor de sociologia da Universidade de Brasília Arthur Trindade reformar o aparato de segurança é uma questão complexa e demanda medidas estruturais. Uma nova divisão do trabalho entre as polícias militar e civil é necessária, assim como uma “repactuação federativa” para repartir melhor os recursos e responsabilidades entre os municípios, os estados e a União. Essa repactuação foi tema de diversos debates entre parlamentares, prefeitos e governadores quando da rediscussão não concluída do Pacto Federativo, conforme noticiou a revista Em discussão! de setembro de 2015.

Críticas à PM durante as manifestações de 2013: ideia da desmilitarização entrou na pauta das ruas

Na opinião de Trindade, é preciso ainda criar estruturas nos estados e municípios para dar mais governança aos atores que operam na segurança pública. Ele prefere não falar em “desmilitarização da PM”, proposta muito em voga, porque isso exigira uma longa discussão sobre o que seria na prática essa desmilitarização.

— Mas é verdade que tanto a PM quanto a Polícia Civil precisam se profissionalizar — reconhece o sociólogo.

Conselhos de segurança

Uma das formas de o cidadão procurar ter influência pontual, ou de forma mais geral, nas ações de segurança pública é por meio participação nos conselhos de Conselhos de Segurança (Conseg), que têm âmbito local, inclusive por bairros e temas; estadual; distrital e nacional. Esses conselhos são frutos mais diretos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), de 2007; do Plano Nacional de Segurança Pública de 2003; da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), no ano de 2009; e da reforma do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp).

De acordo com Renato Sérgio de Lima, Letícia Godinho de Souza e Thandara Santos, autores do estudo ‘A participação social no campo da segurança pública’, as primeiras experiências de participação social na segurança pública, ainda nos 80 do século XX, foram importantes, mas sucumbiram a uma mentalidade repressiva típica do neoliberalismo da década seguinte. Assim, ao contrário do setor da saúde, que tem uma ampla rede de atores mobilizados na construção da agenda de políticas públicas, a área de segurança ainda vive um protagonismo muito forte do Estado.

Mesmo no âmbito dos Conseg, organismos privados, do ponto de vista formal, é grande a presença não só de representantes de órgãos públicos mas de integrantes ou ex-integrantes do aparato policial, o que acaba por privilegiar soluções tidas como tecnicamente mais apropriadas e inibir uma maior participação social.

Reunião de Conselho Comunitário de Segurança Brasília-Centro: em debate, mais do que policiamento

Sobre o Conselho Nacional de Segurança Pública, os autores citam estudos que apontam a fragilidade do seu marco legal e de sua relação com o Ministério da Justiça e “o contexto político”. Segundo os pesquisadores, “apesar de o decreto que o institui defini-lo como conselho consultivo e deliberativo, as resoluções do Conasp não têm força normativa e por isso não vinculam os demais órgãos do sistema de justiça e segurança pública, servindo, no máximo, apenas como órgão de “cooperação técnica”, subordinado ao Ministério da Justiça, sem autonomia sequer para autoconvocação. O Conasp teria, pois, de ser transformado “em efetivo canal de diálogo no contexto da formulação das políticas públicas de segurança”. Para tanto, teria de haver um rompimento com a ideia, se não manifesta, pelo menos subjacente, de que a participação social provoca entraves ao processo decisório dos órgãos formuladores e executores das ações de segurança, por falta de conhecimento especializado de atores diversos e muitas vezes em posições antagônicas.

Na opinião dos três estudiosos, a sociedade democrática e a complexidade do quadro social exigem justamente uma discussão aberta, frequente e construtiva com um amplo leque de participação, deixando no passado as noções autoritárias de segurança herdadas do regime militar.

A arquiteta Flávia Portela, presidente do Conselho Comunitário de Segurança Brasília-Centro, tem uma avaliação positiva da atuação da entidade.

— As últimas estatísticas oficiais mostram que os índices de segurança melhoram. Antes da criação do Conseg Brasilia Centro, as demandas não eram atendidas com tanta agilidade. Como exemplos, temos uma atenção maior do Detran, melhorias na iluminação pública na plataforma da Rodoviária e intensificação do policiamento no SDS-CONIC por meio do 6º Batalhão — relata a arquiteta.

Apreensão de mercadoria ilegal na Rodoviária de Brasília, área de atuação do Conseg Centro (foto: Dênio Simões/Agência Brasília)

Mesmo com esses resultados e a participação da entidade no Conselho Distrital de Segurança (Condisp), Flávia defende “maior estruturação dos Consegs”, por serem “o principal braço da sociedade Civil na formulação de políticas públicas para a Segurança”. No caso do Conseg Brasília Centro, a arquiteta testemunha um aumento da participação de sindicatos, empresas e ONGs.

A articulação com outros 36 consegs é feita por meio de reuniões mensais e troca de informações. Como há 5 diretores do âmbito comunitário para cada conselho, o DF tem um universo de 170 conselheiros trabalhando em prol da segurança pública num universo de 2,8 milhões de habitantes.

Para Flávia Portela, as principais causas do número astronômico de homicídios computado pelo Atlas da Violência são “a má divisão da renda e a baixa qualidade do ensino”. Mas a falta de cuidado com o espaço urbano em termo de conservação dos equipamentos públicos, como a iluminação, calçadas e travessias cooperam para a ocorrência de crimes.

— Precisamos de boas soluções arquitetônicas e urbanísticas para minimizar o problema da insegurança. Apenas a presença de policiais na rua, ou a construção de postos policiais não são suficientes para manter a ordem e a segurança pública — adverte a integrante do Conseg.

Flávia Portela lembra que o morador do meio urbano é bloqueado em um direito inerente à própria situação na qual está inserido: o direito à cidade, isto é, o direito de usufruir da cidade em sua plenitude. Esse impedimento decorre de vários fatores, como as más condições para a mobilidade e a insegurança.

— Cidades mais seguras são resultado da garantia de direitos e da mediação de conflitos. E, nesse processo, a segurança pública não é responsabilidade apenas dos sistemas de polícia e justiça, mas envolve uma série de outros atores. A intersecção entre desenvolvimento urbano e redução da violência deve enfatizar, portanto, o papel fundamental das cidades na prevenção por intermédio da promoção da convivência; da interação e da inclusão social; da utilização e ocupação dos espaços públicos; e do pleno exercício da cidadania — analisa.

Policiamento comunitário em Brasília (foto: Dênio Simões/Agência Brasília)

O aposentado Antônio Sena Magalhães Silva é o presidente do Conseg do Guará, cidade do DF com 132,7 mil habitantes, localizada a 15 km da rodoviária do Plano Piloto, equipamento na zona de abrangência do Conseg Centro. Apesar de apresentar Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto, 0,911, a cidade do Guará vem sofrendo com furtos e assaltos, inclusive em áreas movimentadas e à luz do dia, conforme o noticiário reproduzido na página do conselho de segurança comunitário no Facebook.

— A crise da segurança está muito séria – avalia Sena, que compartilha das preocupações de Flávia Portela sobre a integridade do equipamento urbano. Tanto que já cooperou com a Agência de Fiscalização (Agefis) na remoção de invasores e solicita ao governo reparos na iluminação pública e podas de árvores.

O excesso de quiosques, comércio de drogas e bares com som alto às margens da Estrada Parque Taguatinga (EPTG) é outro conjunto de problemas nos quais o Conseg Guará vem tendo de interferir. Sena reclama do que considera contradições entre membros do sistema de segurança. E cita a liberação de presos por tráfico de drogas que a polícia consegue prender.

O Conseg Guará tem sido atendido em pedidos pontuais de policiamento, mas Sena observa que os criminosos perseguidos numa quadra acabam migrando para outra. A PM trabalha a partir da chamada “mancha criminal”. Onde há mais casos registrados, o policiamento se intensifica. Ele reclama que a participação rotineira em debates a respeito de estratégias mais amplas foi interrompida quando o conselho do Guará deixou de frequentar as reuniões da Área Integrada de Segurança Pública (Aisp), hoje restrita às oito cidades onde há mais crimes.

— Eram ótimas as reuniões da Aisp pois fazíamos análises e sugestões para a cidade toda — recorda Sena.

Ele tem uma avaliação positiva da importância dos conseg, com base nos avanços obtidos no Guará e na demanda constante que tem de moradores, embora “nem todo mundo” se disponha a encarar reuniões e projetos do conselho.

— Eu explico que o Conseg não tem poder de polícia, só encaminha os problemas à polícia — frisa. O conselho planeja promover atividades sociais em setembro para atrair militantes numa comunidade onde, segundo Sena, a situação “passou de social para policial”.

— Quem faz política social é a Polícia Militar. A área que seria encarregada desse trabalho não tem ninguém. Assim, o batalhão é que interage com a comunidade, oferecendo futebol, ginástica, capoeira, mas esse não é o papel da polícia.

Saiba mais:

A participação social no campo da segurança pública

Conselho Nacional de Segurança Pública

UPPs, da esperança à incerteza

O desaparecimento e a morte do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, em julho de 2013, no curso de uma operação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, no Rio de Janeiro, deixou claro, pela primeira vez, a fragilidade de uma experiência que foi vista como um caminho para redimir a cidade do ambiente de guerra às drogas quando começou, em 2008.

O sequestro de Amarildo num momento de grande insatisfação popular com a má qualidade dos serviços públicos de um modo geral, e em meio a protestos que miraram também o modelo de segurança brasileiro, mostrou as deficiências de estrutura e a inadequação cultural do sistema de segurança para a gigantesca tarefa de resgatar a população dos braços do narcotráfico.

A falta de uma abordagem técnica adequada é um dos fatores que aos poucos tem colocado em xeque o projeto das UPPs, imaginado inicialmente para garantir a tranquilidade durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Outro ponto importante é a ausência de uma política consistente de recuperação das comunidades assoladas pelo crime do ponto de vista da saúde, do saneamento e da educação.

Policiais do Rio de Janeiro concentrados em uma unidade de polícia pacificadora (UPP) (foto: Marcelo Casal Jr/ABr)

Mantida na penúria, a população das áreas abrangidas pelo projeto tem tido dificuldade em oferecer resistência à volta da forte influência do tráfico sobre o dia a dia das comunidades. Mesmo depois de um período no qual a ação das UPPs, apesar dos problemas, logrou êxito considerável no controle da violência letal e dos conflitos armados, tanto entre traficantes quanto entre estes e a polícia.

— Um dos problemas da segurança pública é a ideia equivocada de que a polícia pode resolver tudo. Tivemos no caso das UPPs uma polícia com preparação rasa, que continuou usando da mesma lógica [repressiva], ao passo que a ação das forças de segurança não foi acompanhada de políticas sociais. Os integrantes da polícia foram deixados lá sozinhos e tiveram de ser tudo: policiais, assistentes sociais, professores”, diz a coordenadora Institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Patrícia Proglhof.

A constatação de que faltaram políticas de cunho social para sustentar ao longo do tempo a ação eminentemente policial das UPPs já foi feita inclusive pelo seu criador, o ex-secretário de Segurança do Rio, José Maria Beltrame.

Exame do desempenho das UPPs, inclusive no que se refere a aspectos além das prisões e do controle dos homicídios, é o objetivo do estudo Os Donos do Morro, realizado pelo Fórum de Segurança em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e o Laboratório de Análise da Violência (LAV), sob patrocínio do Banco de Investimento da América Latina (veja mais aqui).

Policiais militares fazem o patrulhamento na comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro (foto: Tania Rêgo/ABr)

Os pesquisadores fizeram um acurado levantamento de ocorrências policiais com graus diversos de gravidade nas localidades beneficiadas por UPPs entre 2011 e 2012. Para dirimir dúvidas sobre a efetividade da ação policial, levantaram as ocorrências num raio de até um quilômetro e meio em torno de algumas dessas áreas. Além disso, entrevistaram policiais e comandantes de unidades.

O resultado é um amplo e aprofundado painel das dificuldades enfrentadas pelas UPPs, suas vitórias e derrotas. Do ponto de vista do “impacto das UPPs nos crimes registrados dentro das comunidades”, os estudiosos concluem que houve “uma redução notável da violência letal e, em menor medida, dos roubos”. Por outro lado, observou-se aumento dos registros de crimes não letais contra a pessoa e de crimes não violentos contra a propriedade, o que provavelmente se deve ao aumento das denúncias e da sua formalização em boletins de ocorrência.

Conforme o relatório, o indicador que mais caiu foi o dos mortos em intervenções policiais, os chamados autos de resistência, que chegou próximo de zero depois da instalação das UPPs. Esse é um efeito da prisão ou expulsão dos criminosos, que praticamente eliminou os confrontos armados. O tráfico de drogas residual a partir de um certo ponto operou sem armas e desvinculado de quadrilhas locais. “O efeito líquido do projeto na mortalidade violenta representa uma queda de 60 mortes por 100.000 habitantes ao ano, dentro das comunidades, como consequência da entrada da UPP, uma redução muito significativa”, diz o relatório.

Mesmo com esses resultados, a situação nas comunidades e na cidade como um todo não pode, como mostra o próprio noticiário, ser considerada como tranquila. E se as UPPs conseguiram alterar emergencialmente a gravidade do quadro, não conseguiram avançar muito em questões como o modelo de policiamento, a relação da polícia com a comunidade e a oferta de condições urbanísticas e sociais minimamente requeridas para os moradores.

Registrou-se algum florescimento de atividades econômicas não relacionadas ao tráfico, a oferta de TV a cabo legal e atendimento bancário, o que valorizou algumas áreas, levando até ao aumento dos aluguéis. Mas o projeto UPP social, posteriormente rebatizado de Rio+ Social, não logrou êxito, conforme avaliação feita em junho de 2015 pelos pesquisadores Ed Bentsi-Enchill, Jessica Goodenough e Michel Berger. Apesar dos anúncios de “integração” entre poder público e moradores, de “participação social” e de algumas iniciativas nesse sentido, o governo é quem decidiu ou que fazer e muitos habitantes das comunidades sequer sabem responder o que é UPP Social.

Projeto UPP Social, hoje Rio+Social, objetiva melhorar a qualidade de vida nas comunidades ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (foto: André Gomes de Melo/SEASDH-RJ)

Alguns confundem esse projeto com as tentativas esparsas de comunicação entre soldados lotados nas UPPs e moradores. Apesar desses contatos, dos quais chegaram a participar familiares dos policiais, a relação entre os moradores e as forças segurança ainda segue marcada por desconfianças de parte a parte. As UPPs carecem de estratégias e ações consistentes e continuadas, muito além de encontros informais festivos e de reuniões convocadas de maneira às vezes abrupta pela PM, de acordo com o estudo.

O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) aplicou, entre novembro e dezembro de 2010, um questionário a 359 praças que trabalhavam em 9 UPPs. Apenas 5% reconheceram participar com frequência em reuniões com os moradores. (Veja mais aqui)

Há reclamações de hostilidade, violência, abusos e excesso de moralismo por parte das forças policiais. Estas apontam a indisciplina, o desacato à autoridade e o vínculo de moradores com o tráfico como aspectos negativos das comunidades. Foi justamente uma possível relação de Amarildo com os narcotraficantes que levou a polícia sequestrá-lo, torturá-lo e matá-lo, além de ocultar seu corpo, conforme se concluiu em julgamento do caso, de que resultou a condenação de 12 dos 25 policiais processados. “A maior pena foi a do então comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, major Edson Santos, condenado a 13 anos e sete meses de prisão”, diz um informe da Agência Brasil.

De acordo com estudo, a relação entre moradores e policiais das UPPs ainda é marcada pela desconfiança

“Os jovens são os que mais apresentam atrito com os policiais de UPP, entre outras coisas pela função reguladora que estes últimos exercem sobre atividades de lazer, isto é, sobre o volume do som e sobre os bailes. Particularmente o funk, alvo histórico da repressão dos aparatos de segurança, costuma ser proibido com base numa Resolução da Secretaria de Segurança que exige requisitos inviáveis para eventos de pequeno ou médio porte”, observam os pesquisadores.

No ver deles, as UPPs “são um começo de um longo processo de aprendizado para ambas as partes”. Se os moradores “precisam aprender a ir à delegacia para resolver conflitos internos”, ao invés de recorrerem aos julgamentos sumários por parte de traficantes ou milicianos, os antigos “donos do morro”, os agentes do estado precisam mudar de uma ação basicamente repressiva para um trabalho de prevenção e mediação, de modo a não se converterem nos “novos donos do morro”, diz o estudo do FBSP.

Depoimentos de integrantes das Unidades de Polícia Pacificadora ao estudo Donos do Morro

Desconfiança

"A sociedade tem uma falsa visão da comunidade, qual é essa falsa visão? Os bandidos do morro representam 1% ou 2% da população na favela, mas tem os associados com o tráfico. O bandido, como a gente fala, é cria da comunidade, sendo cria da comunidade, eles têm parente aqui, tem pai, mãe, primo. Então quando acontece alguma confusão, esses associados vão ficar do lado de quem? Da polícia ou do bandido? O cara que cresceu na favela, com certeza vai ficar do lado de quem cresceu na favela; então você joga aí que 60% da população é contra a pacificação."(Soldado)

"O policial tá muito receoso devido aos acontecimentos anteriores, que tivemos um soldado aqui que amputou as duas pernas e outro tá internado, então ele ainda tá na cabeça dele que a população aqui é como se fosse inimigo. Ele não tá conseguindo diferenciar e eu realmente até entendo ele, por causa disso ainda, esse paradigma instalado dessa aproximação de ambas as partes." (Policial)

"Hoje em dia a gente tem a plena confiança, mas no início não era assim, no início ainda tinha muita desconfiança, o pessoal testava muito os policiais. O pessoal jogava pedra, jogava ovo... Jogava de dentro de casa mesmo. O pessoal não dava um bom dia, não dava um boa tarde, acredito até pelo medo, de ser uma coisa recente. Hoje em dia ainda escuto muita gente falar assim: 'Pô, a gente fica muito ressabiado de estar muito próximo e daqui a pouco vocês irem embora e o tráfico voltar e a gente ficar depois tachado de que era amigo de policial'. Mas, aos poucos, a gente tá quebrando isso, acho que aqui a gente está num estado bem avançado quanto a isso. Mas no início assim que eu cheguei, a gente tinha essa percepção, era mais clara, as pessoas evitavam muita proximidade conosco, com medo de ser uma coisa passageira, que em um ano a gente poderia ir embora, eles iam ficar mal vistos, por alguns moradores aí, ligados à marginalidade." (Subcomandante)

"Aproximar do morador, de bater de porta em porta, eu já tentei fazer isso aqui. É difícil, ainda não tá, o morador ainda não recebe assim... recebe a gente já com a mão na maçaneta querendo fechar a porta, até atende mas.... Então, quem faz a articulação com militar mesmo são esses policiais aí de projetos, entendeu?" (Comandante)

Autoridade

"No começo aconteceu isso: às vezes, um morador queria desacatar um policial, a gente ia pra delegacia. Agora nem tanto, mas o sargento no início dizia que não podia fazer isso, e ficava sempre tirando a moral dos policiais da UPP, que queriam proceder por desacato." (Soldado)

"Pra falar a verdade, o que a gente percebe é que muitas vezes o policial provoca o desacato, ele dá margem pra que a pessoa o desacate. Não digo nem que seja intencional, mas a forma de abordar o cidadão acaba gerando aquele estado de espírito mais acirrado, e a pessoa acaba desacatando. Normalmente, a gente observa isso, é a forma não muito correta do policial conduzir a ocorrência que acaba forçando o cidadão a desacatá-lo. Isso hoje em dia é um dos nossos maiores trabalhos, de colocar isso na cabeça dos policiais, de não provocar esse tipo de coisa, de tentar conduzir a ocorrência de uma forma mais tranqüila, de uma forma que uma coisa pequena não se transforme em algo muito maior. E normalmente começa com uma ocorrência não criminal, de natureza não criminosa, né? O cidadão aparentemente está numa postura inadequada, e o policial, sem muito tato, vai falar, vai chamar a atenção do cidadão, mas acaba verbalizando de uma forma não muito legal, né? E aquilo vira uma bola de neve e, daqui a pouco, está todo mundo na delegacia. Hoje em dia esse é o nosso maior trabalho, evitar que coisas pequenas, que coisas que não são de natureza policial, se transformem numa ocorrência policial. Até por uma questão de imagem, porque isso reverte na nossa imagem. E é a questão da imagem, da confiança da população, que a gente não pode perder, né?" (Subcomandante)

Relacionamento

"Acontece de moradores, comerciantes, chamarem a gente, nos nossos dias de folgas, para participar de algum evento, aniversário, alguma coisa.Vou, tranquilo. Aqui não tem problema nenhum em participar de festa. É bom, porque as pessoas vêem você de farda, acham que você é um monstro, que você é isso, que você é aquilo. Só que por trás da farda, nós somos pessoas. Têm pessoas de família, eu tenho meu filho, minha esposa. Eu já trouxe minha família aqui pra conhecer o local. Eu tenho também meus problemas particulares, eu pago conta também... As pessoas às vezes falam assim: 'Eu pago meus impostos e exijo'... Eu também pago. Então, por trás dessa farda aqui, existe também um cidadão que paga os seus impostos, que cumpre os seus deveres, que tem deveres e direitos dentro da sociedade. Esse é o entrosamento entre a comunidade e a polícia. É bom porque as pessoas vêem você à paisana, sem farda, e vêem que você é um cidadão comum também... É de carne e osso, igual a eles. Isso ajuda a pessoa a entender um pouco o policial. Realmente a verdadeira polícia de aproximação acontece aí." (Cabo)

Pesquisas

"A gente aqui chegou até a fazer uma pesquisa de uma forma improvisada. A gente não tem conhecimento metodológico para fazer, mas a gente chegou a fazer uma pesquisa de opinião na comunidade. A gente tentou fazer uma amostra, chutando a quantidade de jovens, de adultos, de idosos, masculino, feminino. A gente tentou fazer mais ou menos proporcionalmente aos dados que a gente teve da UPP, e a gente fez num universo de cem pessoas, ouvindo diversas fontes da comunidade. Um policial nosso, que trabalha na articulação da comunidade conosco, foi a campo entrevistar as pessoas. Juntou umas dez perguntas. Na primeira parte, teve questões de escolaridade, renda, esse tipo de coisa. E depois, a gente ouviu a opinião deles acerca do nosso trabalho, como classificaria o nosso trabalho, se melhorou ou se piorou depois da instalação da UPP, se havia alguma diferença do nosso trabalho para com o trabalho do batalhão convencional, enfim, foi mais ou menos isso aí." (Subcomandante)

Costumes

"Pagode é o seguinte, a gente flexibiliza de acordo com o que é previsto na própria legislação. Quando o evento é de pequena monta, e oferece pouco ou nenhum risco à segurança pública, alguns itens podem ser dispensados a critério da autoridade. Quando alguém procura a gente e fala, por exemplo, que está querendo realizar um evento religioso em tal horário e em tal lugar, a gente de pronto já autoriza, porque a gente sabe que é um evento que geralmente não apresenta riscos. Agora, o pagode a gente libera, mas se houver alguma coisa, a gente tenta acertar; se não acertar, o evento não acontece. Tinha um baile de pagode aqui e nós recebemos reclamações de que estava fechando a rua, nós os chamamos aqui e avisamos que se continuar fechando a rua, não vai ter mais. Baile funk, a gente exige mais, porque há todo um histórico de fomento à violência, e aqui tem um agravante, que é uma rivalidade histórica dos jovens daqui com os jovens de outra comunidade". (Comandante)

"Baile funk em hipótese nenhuma. Geralmente, o comandante sempre permite festas das igrejas nas pracinhas, porque é para as crianças." (Sargento)

Justiça informal

"Um exemplo de como funciona a cabeça de um morador da favela: no nosso último serviço noturno, teve uma briga entre duas meninas, e nós fomos apartar. Nem procedemos com a ocorrência, só fomos ali pra apartar e o relato da menina envolvida na confusão é que, na época em que o tráfico estava aqui, era melhor porque eles levavam para boca de fumo e lá eles resolviam do jeito deles." (Soldado)

"Uns 15% aqui não aceitam a polícia. Tem gente que acha que era melhor com a milícia, porque a milícia daria logo um jeito em alguém que tivesse fazendo algo de errado, de ilícito. Eles acham que a gente está passando a mão na cabeça, por pegar, conduzir até a DP. Depois, aquela pessoa, se é usuário, vai usar de novo. Na época da milícia, isso daí já teria um final diferente." (Cabo)

Polícia preventiva

"A gente não estudou para ser de UPP, a gente foi construindo isso ao longo do tempo. No início, a gente ainda tinha aquela mentalidade de batalhão, quem tinha folga meritória era aquele camarada que tinha feito alguma boa prisão ou apreensão. Só que, com o tempo, eu fui ver que nosso trabalho é basicamente de prevenção. Então, a gente tem que premiar também aqueles policiais que têm uma boa aceitação da comunidade, que fazem uma boa mediação dos conflitos, o policial que tá sempre bem fardado, bem educado, atende bem às ocorrências." (Subcomandante)

Conflitos internos

"É um batalhão que já está necessitando de uma reforma. Estão misturados ali a tropa com bastante tempo de polícia e os policiais novos. E existe aquela barreira, preconceito mesmo da tropa convencional com a UPP. Infelizmente, essa situação de dividir a polícia com gratificações, isso vai gerar um reflexo no futuro negativo." (Comandante)

Abordagens

"Foi uma briga entre duas mulheres na saída de um pagode. As mulheres estavam alcoolizadas. Os policiais foram intervir naquela briga e acabou que todo mundo se voltou contra os policiais. Começaram a jogar pedra, garrafa nos policiais... Aprendemos com a experiência. Hoje em dia, nesse tipo de ocorrência, a gente já tem um outro protocolo, a gente acaba agindo de outra forma pra evitar que isso aconteça." (Subcomandante)

Simbologias

"A retribuição aqui vem de várias formas. Eu tenho certeza que há dois anos atrás não tinha uma criança querendo ser policial e hoje tem. Vejo que isso é uma forma de retribuição da comunidade, crianças e jovens querendo ser policiais. Hoje eles estão se espelhando na polícia. Antes infelizmente eles se espelhavam no tráfico". (Soldado)

Pressão por parte das mulheres tem obtido resultados

Os melhores resultados da participação social na segurança pública têm sido obtidos por grupos organizados em torno de causas específicas, cujas reivindicações se convertem em agenda. Esta é a avaliação do professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Arthur Trindade. Ele refere à pressão dos grupos feministas que lutam para combater a violência contra a mulher em uma trajetória de longa data.

— Começaram com as delegacias da mulher e agora temos muitas outras ações e políticas como a patrulha Maria da Penha — aponta o sociólogo.

De fato, conforme registra o Atlas da Violência, em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Ainda que a taxa de homicídio de mulheres tenha crescido 7,3% entre 2005 e 2015, quando se analisam os anos mais recentes, verifica-se melhora gradual. O indicador diminuiu 1,5%, entre 2010 e 2015 e sofreu queda de 5,3% apenas no último ano da série.

Esses números sugerem que vale a pena empreender esforços de maneira organizada e constante em prol de um novo padrão de segurança pública e ampliar o grau de cidadania. O que os números, obtidos a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, não mostram é quantas dessas mortes se devem feminicídios, assassinatos de mulheres cometidos por homens que não as consideravam seres com vontade própria e direitos — companheiros violentos, muitas vezes.

O feminicídio é o foco de uma política pública desenvolvida desde 2016 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como uma atribuição específica do órgão dentro da Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp), programa que, num âmbito mais geral agrega também o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Conforme um dos executores dessa meta, o promotor de Justiça Heverton Aguiar, foram catalogados pelo conselho 2.925 inquéritos de feminicídios entre 2016 e 2017, o que equivale a 1,41 casos por cem mil habitantes. Não necessariamente todos os inquéritos se referem a crimes cometidos no período iniciado em março do ano passado. Os estados com mais inquéritos são os de Alagoas (5,3 por cem mil habitantes), Distrito Federal (4,8), Acre (3,9), Mato Grosso do Sul (3,6) e Amazonas (3,4). Ainda não se sabe se o número de inquéritos deve-se a um maior número de casos, um maior número de ocorrências registradas ou a mais frequência na instauração dos inquéritos.

O compromisso do CNMP é o de acompanhar esses inquéritos e os que vierem a ser incorporados a esse registro por meio de promotores designados nos estados. Cada inquérito recebe um selo lilás da Enasp e passa a ser monitorado “para que não envelheça”, ou seja, para que não deixe de produzir resultados e que, esclarecidas as circunstâncias e apontado o responsável, o processo não deixe de ser julgado. Na primeira etapa, o monitoramento se circunscreve ao Ministério Público e a Polícia. Numa segunda etapa, as demandas do CNMP seguirão para o CNJ, órgão encarregado de fiscalizar a ação dos tribunais e juízes.

— Esses casos têm de ser julgados o mais breve possível – recomenda Aguiar. O país hoje ocupa o 5º lugar entre os mais violentos do mundo em relação às mulheres.

Manifestação em Brasília contra o feminicídio (foto: Wilson Dias/ABr)

O promotor diz que há um número muito grande de arquivamentos desse tipo de caso e é preciso saber o porquê. Em parte, adianta ele, os arquivamentos se devem ao fato de que muitos assassinos são maridos, namorados ou companheiros das vítimas que se suicidam depois de matá-las.

O foco nos feminicídios foi uma maneira de o CNMP dar mais eficiência à sua ação, já que estava difícil acompanhar de maneira tão acurada os homicídios como um todo. O conselho até mantém na internet um levantamento que aponta números gerais e “produtividade” do MP e da Polícia — o Inqueritômetro — mas segundo o promotor, os dados não têm sido atualizados.

— Estamos fazendo dessa meta um laboratório para aperfeiçoar o nosso sistema de acompanhamento. Se este se mostrar bem-sucedido, vamos ampliar para os demais — explica Aguiar, que chama a atenção para o baixo índice de soluções de casos de homicídios no Brasil: apenas 7%.

O mapeamento dos feminicídios já está disponível para consulta no site do CNMP para consulta pela sociedade, omitindo somente aqueles dados que por lei sejam sigilosos (veja em bit.ly/enasp-femi). Os arquivos do programa vão contar no futuro com planilhas para descrição dos perfis da vítima e do agressor e de suas famílias, com dados sobre gênero, escolaridade, renda, religião, antecedentes criminais, entre outros, de modo que possam ser sistematizados e oferecidos a formuladores de políticas públicas.

Outro subproduto desse levantamento será a possibilidade de constatação de feminicídios que não são assim rotulados porque a agressão só vai surtir efeitos a posteriori.

— Tivemos um caso de agressão com ruptura de fígado que acabou degenerando em hepatite grave meses depois, mas o laudo não se referiu à violência doméstica — relata Aguiar.

Saiba mais:

Inqueritômetro

Senado aprova projetos para diminuir violência contra a mulher

Em março de 2017, mês dedicado a vários temas da pauta feminina, o Senado votou projetos que contribuem para diminuir a violência contra a mulher. No dia 8, o Plenário aprovou duas propostas para assegurar direitos e proteção à mulher e equidade de gênero. A primeira (PLS 295/2013) garante atendimento especializado para mulheres vítimas de violência doméstica e sexual no Sistema Único de Saúde (SUS). O texto estabelece, entre outros direitos, o acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras quando necessárias. A outra proposta (PLC 55/2016) cria a Semana Nacional pela Não Violência contra a Mulher. Uma campanha de conscientização ocorrerá todos os anos durante a última semana de novembro. Ambos os projetos foram sancionados sem vetos e se converteram, respectivamente, nas leis 13.421/2017 e 13.427/2017.

No mesmo dia, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou diversos projetos em benefício das mulheres. O PLS 195/2014 determina a coleta de provas e a remessa de informações ao juiz da Infância e da Juventude e ao Conselho Tutelar quando a agressão à mulher for presenciada por criança. O PLS 547/2015 institui o programa Patrulha Maria da Penha, rondas policiais periódicas às residências de mulheres em situação de violência para verificar o cumprimento de medidas protetivas. O PLS 244/2016 obriga a coleta de dados específicos sobre violência contra a mulher pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas (Sinesp). E o PLS 112/2010 determina que, até 2018, pelo menos 10% das vagas dos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista sejam destinadas a mulheres. Como se sabe a independência econômica, é um dos fatores mais importantes para diminuir a vulnerabilidade das mulheres. Todos os projetos seguiram para a Câmara dos Deputados.

CCJ aprova projetos que asseguram direitos e proteção à mulher

Também no dia 8 foi entregue o diploma Bertha Lutz, em sua 16ª edição, a mulheres que contribuíram para a defesa dos direitos femininos e das questões de gênero no país. Foram agraciadas Denice Santiago Santos do Rosário, major da Polícia Militar da Bahia, comandante da Ronda Maria da Penha — dedicada à prevenção da violência contra a mulher; Diza Gonzaga, que após a morte do filho criou a Fundação Thiago Moraes Gonzaga para promover ações de prevenção à violência no trânsito; Isabel Cristina de Azevedo Heyvaert, embaixadora do Brasil na República da Sérvia; Raimunda Luzia de Brito, professora universitária e ex-presidente do Coletivo de Mulheres Negras do Mato Grosso; e a jornalista e escritora Tati Bernardi.

No dia 22, o Plenário aprovou projeto que proíbe o uso de algemas em presas grávidas durante os atos médicos e hospitalares preparatórios para a realização do parto. O texto também proíbe a prática durante e logo após a presa dar à luz. O PLC 23/2017 torna lei uma medida já prevista em um decreto presidencial editado em setembro de 2016. A inclusão da medida no Código de Processo Penal torna o decreto uma política de Estado. O projeto já recebeu sanção presidencial e foi transformado na Lei 13.434/2017.

Congresso Nacional comemora o Dia Internacional da Mulher e entrega o Diploma Bertha Lutz

Heroínas da Pátria

Ainda no dia 22, foi aprovado pelo Plenário o PLC 22/2017, que inscreve o nome de Zuleika Angel Jones, a estilista Zuzu Angel (1921-1976), no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Zuzu é conhecida por sua luta pela apuração de um filho desparaecido durante a ditadura militar. A proposta também altera a Lei 11.597/2007, que criou o chamado “Livro de Aço”, para explicitar que ele se destina a registrar o nome de “brasileiros e brasileiras” que tenham oferecido a vida à pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo. O projeto foi sancionado e transformado na Lei 13.433/2017. Anteriormente o Plenário do Senado havia aprovado outros dois projetos para o registro de nomes de mulheres no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O PLC 122/2013 incluiu Jovita Feitosa, voluntária do Exército na Guerra do Paraguai. E o PLC 69/2013 incluiu Clara Camarão, que combateu os holandeses na Batalha dos Guararapes. As propostas já foram sancionadas e convertidas respectivamente na Lei 13.423/2017 e Lei 13.422/2017.

Indiretamente, as mulheres poderão se beneficiar igualmente do projeto (PLS 292/2015) aprovado pela CCJ, e agora na Câmara, que proíbe a interrupção de fornecimento de energia elétrica, água e telefonia para hospitais públicos, delegacias de polícia, escolas públicas e unidades do corpo de bombeiros nos primeiros 60 dias após aviso de não pagamento de conta.

No dia 29, duas matérias importantes passaram no Plenário: o PLS 19/2016 estabelece prioridade para processos de família envolvendo acusações de alienação parental — quando o pai ou a mãe instiga o rompimento de laços afetivos do filho com o outro genitor. A matéria seguiu para a Câmara dos Deputados. O PLC 21/2017 normatiza mecanismos para prevenir a violência contra menores, assim como estabelece medidas de proteção e procedimentos para tomada de depoimentos. O processo judicial que envolve crianças e adolescentes vítimas de violência poderão contar com novas garantias nos inquéritos e no curso dos processos. O texto foi sancionado e convertido na Lei 13.431/2017.

Violência contra a mulher (outras formas de ajuda)

Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs): são unidades da Polícia Civil que realizam ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal. Nessas unidades, é possível registrar boletim de ocorrência e solicitar medidas de proteção de urgência.

Juizados/Varas especializadas: são órgãos da Justiça com competência cível e criminal, responsáveis por processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Suas principais funções são: julgar ações penais e conceder medidas protetivas.

Coordenadorias de Violência contra a Mulher: criadas em 2011, por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são responsáveis por elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate e prevenção da violência contra as mulheres e dar suporte aos magistrados, servidores e equipes multiprofissionais neste tipo de trabalho, como forma de melhorar a prestação jurisdicional.

Casas-Abrigo: oferecem local protegido e atendimento integral (psicossocial e jurídico) a mulheres em situação de violência doméstica (acompanhadas ou não de filhos) sob risco de morte. Elas podem permanecer nos abrigos de 90 a 180 dias.

Casa da Mulher Brasileira: integra, no mesmo espaço, serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

Centros de Referência de Atendimento à Mulher: fazem acolhimento, acompanhamento psicológico e social e prestam orientação jurídica às mulheres em situação de violência.

Órgãos da Defensoria Pública: prestam assistência jurídica integral e gratuita à população desprovida de recursos para pagar honorários de advogado e os custos de uma solicitação ou defesa em processo judicial, extrajudicial, ou de um aconselhamento jurídico.

Serviços de Saúde Especializados para o Atendimento dos Casos de Violência Contra a Mulher: contam com equipes multidisciplinares (psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e médicos) capacitadas para atender os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Secretaria de Políticas para as Mulheres

Rede completa de atendimento

Conheça algumas dicas de segurança:

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