É por isso que a Casa Gralha Azul tem esse nome. Ela nasceu com o objetivo de integrar os animais como parte de uma grande família, deixando-os livres para interagir entre si.
O que se vê por lá vai na direção oposta dos meios de produção convencionais, nos quais os animais são apenas números.
Na Casa Gralha Azul eles têm nomes, e recebem todos os cuidados e atenção de forma individual, como uma mãe faz com os filhos.
A dedicação que seu avô materno Pedro Luiz Nicolau e mãe Rosane Freire Nicolau Soifer tinham pelos bichos do Haras Gralha Azul, onde o avô viveu a paixão por cavalos de corrida por quase 50 anos, foi como Felipe aprendeu a tratar os animais.
No haras em Piraquara, Paraná, onde hoje é a Casa Gralha Azul, entendeu que a relação homem e animal é espiritual.
A perda da mãe e o abandono do haras pelo avô foram motivos suficientes para Felipe querer resgatar a paixão da família por animais.
Coincidentemente, no ano de 2016, uma amiga mencionou sobre um projeto que estava sendo desenvolvido na UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Ele resgatava uma raça brasileira de porco quase em extinção.
O interesse foi instantâneo. Felipe procurou o Projeto Porco Moura e descobriu que a forma de criação ia ao encontro do que buscava: produzir alimentos respeitando o animal, privilegiando fauna e flora nacional, e salvaguardando culturas e métodos tradicionais.
Felipe logo mergulhou em pesquisas e estudos, e foi ajustando seu modo de produção para dar maior conforto aos bichos.
Com a ajuda de Pedro e Tonho, que sempre estiveram presentes na vida de Felipe desde a época do haras do avô, os porcos moura da Casa Gralha Azul são criados com a menor interferência possível.
De origem ibérica, foi trazido por espanhóis e portugueses para o sul do Brasil, e sua carne se assemelha com a dos porcos usados para fazer o famoso jamón ibérico, um dos presuntos mais apreciados do mundo.
Enquanto na Espanha os animais comem bellota, uma castanha rica em óleos que dão complexidade ao sabor da carne, aqui eles se alimentam de pinhão.
Fruto da araucária, pinheiro típico do sul do país, o pinhão é um carboidrato rico em gorduras boas que, durante o inverno, é encontrado com facilidade na Casa Gralha Azul.
A alimentação, a raça, e o fato de o porco ser criado a campo, caminhando, são os elementos que tornam sua carne especial, de cor avermelhada como a bovina, repleta de marmoreio, com uma camada alta de gordura, e riquíssima em sabor.
Felipe acredita no potencial do porco moura como propulsor de uma revolução no consumo de carne e na charcutaria brasileira. Mais do que isso, ele enxerga o modelo de criação do animal como impulsor de uma mudança ainda maior.
“O porco moura cresce mais devagar. O resgate não é somente da raça, mas do valor do tempo, de uma forma de convivência humana”, explica.
Com isso, a Casa Gralha Azul ganha uma função ainda mais desafiadora: a de servir de exemplo para uma cadeia produtiva que muitas vezes não se importa com a vida do animal, apenas com sua morte.
Felipe reforça que nenhuma parte de seus porcos é desprezada – além dos cortes especiais característicos de sua marca, o osso é vendido para caldos, e até o pelo vira pincel.
Na Casa Gralha Azul, tudo é muito valorizado.
e tem mais histórias nesta edição:
- Descubra como nasceu uma bala de banana que tem o sabor de boas lembranças!
- Saiba porque pessoas estão viajando 70 quilômetros só para provar esse queijo de receita italiana.
- Sob a sombra: conheça o segredo que transformou uma região paranaense na terra da erva-mate!
- Tradição e parceria unem forças nessa farinha inovadora que vem estimulando a cadeia produtiva
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A felicidade que vem do tacho
E ela tem razão. É difícil relacionar um sentimento ruim com algo que represente tão bem a felicidade como uma bala.
No caso da Bala de Banana de Antonina, agora com Indicação Geográfica, o sentimento vai além.
A bala está na memória afetiva dos moradores e dos viajantes que passam por lá.
Sua arquitetura do século XVII e calçamento de pedras fazem dela um atrativo turístico que virou destino obrigatório, entre outros motivos, pela bala de banana ali fabricada.
O clima quente e úmido da região dá as condições ideais para o plantio de banana caturra, a mais usada na confecção das balas.
Em 1986, Seu Miro, pai de Maristela, comprou uma fábrica de doce de banana em Antonina. Lá no início, suas três filhas acompanhavam o trabalho dentro da empresa.
Maristela, então recém formada em Administração de Empresas, participava de todos os processos, desde produção e embalagem até conserto de máquina.
Com o tempo, a bala de banana passou a integrar os produtos da empresa.
“Na segunda, tirei antes do tempo pra não errar de novo e ficou muito mole”, conta. Mesmo assim estava muito gostosa e foi aprovada.
Parte da produção foi doada para a Pastoral das Crianças e distribuída entre amigos. O retorno foi inesperado. “Que delícia! Tá macia!”, diziam.
Sem querer, Maristela havia achado o novo ponto da bala, que a diferenciava das outras exatamente pela textura macia.
Essa sensibilidade para achar o ponto da bala é ainda mais importante hoje em dia, já que para se ajustar à nova demanda de mercado, a bala de banana da Bananina é feita com 30% menos açúcar do que a receita original.
O que não mudou ao longo dos anos foi o modo de produção.
O maquinário ainda é aquele da década de 80, quando seu pai assumiu a fábrica. A fabricação artesanal das balas reforça a capacidade que elas têm em proporcionar boas lembranças.
Talvez sejam essas lembranças felizes que as pessoas vão buscar em Antonina quando visitam a fábrica.
Ao ver a finalização do produto e o mini museu, se sentem ainda mais próximas dessa marca que cresceu junto com o município.
Hoje, a Queijaria Família Baptista mantém a originalidade do produto com sua produção manual. Carolina guarda o documento de 1939 da abertura da queijaria de seu avô Dario Baptista.
Ele foi o primeiro da família a oficializar a produção do queijo purungo para a venda.
Realizada na propriedade Chácara Conceição, parte herdada da Fazenda Palmeira, a produção envolvia as tias e os pais de Carolina. A herança de Sinhô Baptista e sua esposa veio também no hábito de possuir gado leiteiro.
Isso facilitava o acesso ao leite para a confecção do queijo.
No vídeo abaixo você vai conhecer mais detalhes:
A cidade de Palmeira fica na segunda maior bacia leiteira do estado paranaense, o que explica a cultura dentro da família Baptista.
Com o gado criado em pasto solto, já na época do avô o queijo tinha um sabor especial, formado pelas características do local por onde os animais passavam e se alimentavam.
O terroir de Palmeira é um dos diferenciais do queijo purungo.
Mas a queijaria não conta só com as mãos de Carolina…
Seus pais Anacleto Dupps Baptista e Ionice de Paula Baptista dividem funções com a filha para manter o queijo purungo artesanal vivo.
A divisão do trabalho reforça ainda mais o espírito familiar da empresa seguindo os passos do tempo do avô, quando todos ajudavam.
Todo esse resgate da receita, do modo de preparo e dessa paixão pelo o que faço, é em homenagem a essas duas pessoas, que ainda estão muito presentes no meu dia a dia.
Minha avó Christina era uma cozinheira de mão cheia, e meu avô Dario um homem forte, muito trabalhador, apaixonado pelos seus animais e sua terra, contador de belíssimas histórias!
Carolina Baptista
Por estar lidando com um produto de origem animal, todos os processos passam por controles rigorosos de inspeção.
Os queijos da Queijaria Família Baptista possuem o selo SIM (Serviço de Inspeção Municipal) e estão em processo para conseguir o Federal. Dessa forma, a cultura do queijo purungo poderá ser degustada em todo o território nacional.
Apesar de ser trabalhoso, para Carolina e seus pais o amor e a tradição falam mais alto.
A imagem da chácara dos avós na embalagem de seus produtos é uma recordação que homenageia aqueles que deram o pontapé inicial na produção comercial do legítimo queijo palmeirense.
Sem deixar de fora, claro, a personalidade única de ser moldado manualmente.
As palavras acima são o relato real de um médico europeu que visitava o sul do Brasil pela primeira vez, em 1858.
O viajante Robert Avé-Lallemant se desmanchou em encantamento pela exótica erva local, e também pelas tradições ligadas a ela - boa parte construída por povos originários, os primeiros a descobrir o poder energético da bebida à base das folhas de erva-mate.
“Eu desde sempre tomo chimarrão todo santo dia. Chego no escritório e já pego minha cuia pra tomar meu chimarrãozinho…”
A rotina do paranaense Fernando Toppel mostra que o costume atravessou os séculos e ainda é parte essencial da vida de muita gente.
Apesar de o Rio Grande do Sul ser mais conhecido pelos costumes em torno do chimarrão, é no Paraná que está uma das regiões que mais produz mate no mundo: São Matheus.
Nos campos de Mata Atlântica nativa, repletos de araucárias, está uma produção de qualidade mais do que reconhecida. Na verdade, única!
“Nossa erva não existe igual, tem um sabor suave. Então pensamos: por que não buscar algo que coloque nosso nome no mapa?”, diz Fernando.
Além de amante de chimarrão, ele também é produtor e presidente da Associação dos Amigos da Erva Mate. É só dar play no vídeo abaixo pra conhecer um pouco mais dessa história.
Em 2017, eles realmente entraram no mapa.
Foi quando conquistaram a Indicação Geográfica. É um reconhecimento internacional a produtos com características específicas da localidade onde são produzidos.
Assim nasceu a IG-Mathe, associação que controla a qualidade e a produção da erva nativa, garantindo que o produto mantenha a genética original do território e não haja qualquer mistura com variedades gaúchas ou argentinas.
Hoje são 7 indústrias e 39 famílias na associação aptas a trabalhar com o selo da IG São Matheus.
Cada agricultor passou pelos cursos de boas práticas de cultivo, respeito à floresta e à legislação ambiental. Todos eles produzem do mesmo jeitinho, que é o que torna a erva-mate dali tão especial.
Um dos segredos?
Na região de São Matheus se cultiva mate sob a sombra de outras plantas nativas. É à meia luz, sob as grandes araucárias, imbuias e cedros, que a planta produz uma erva ainda melhor e de sabor único. A colheita, que respeita a sazonalidade, começa em maio e vai até setembro.
Com esses métodos, os agricultores nunca produziram tanto e tão bem.
“Além de estar produzindo um produto saudável, sem conservantes e livre de agrotóxicos, estamos produzindo uma erva boa e de altíssima qualidade. Isso é incrível”.
A IG-Mathe investe na rastreabilidade: registra cada informação de cada lote da erva. E pra tornar a relação com o consumidor ainda mais transparente, a Associação pretende anexar tudo isso em um QR Code na embalagem.
Era o trigo surgindo em nossas vidas para sempre como um aliado - ou, há quem diga, um melhor amigo!
É assim que até hoje grandes chefs e padeiros consideram essa iguaria, que de milenar passou a ser considerada INOVADORA.
Sim, ciência e progresso cabem na nossa farinha de trigo de todo dia. Uma prova disso tem germinado em campos do Paraná há pelo menos 20 anos.
Tudo começou a se desenhar lá no final dos anos 80, quando a legislação brasileira deu mais autonomia a produtores e mudou a forma de se produzir trigo no Brasil.
Assim nasceu o Trigo de Origem, um projeto que busca certificar a sustentabilidade e a qualidade da farinha produzida em Campos Gerais.
O foco principal é incentivar a produção de farinha segregada!
É quando acontece a separação total de cada tipo de grão para produção de farinhas cada vez mais específicas pra cada receita - e, claro, com melhor desempenho na cozinha.
No setor há mais de 30 anos, a história de Divanildo quase se mistura à história da farinha brasileira: foi no fatídico período de mudança da lei federal que o pernambucano foi pro Paraná trabalhar no primeiro laboratório de análise de trigo certificado pelo Ministério da Agricultura.
A experiência deu a Divanildo autoridade pra afirmar o segredo da farinha perfeita: separar variedades distintas!
O Trigo de Origem por enquanto produz farinhas de 4 variedades, cultivadas por 5 agricultores da região, selecionados pela Moageira Irati.
A ideia do projeto é baseada na relação de confiança: em cada etapa do roteiro do trigo, da lavoura à padaria, são gerados Certificados de Acreditação.
Significa, por exemplo, que a moageira aprovou o grão trazido pelo produtor, e que a padaria aprovou a farinha segregada produzida pela moageira.
Assim, um se torna o controle de qualidade do outro até chegar na origem do produto.
O acesso fácil e o frescor colocam a farinha acima até mesmo de produtos importados e renomados.
Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:
Sementes do Amanhã - O Butiá
Esse é o título do vídeo que mostra a coleta e uso dessa frutinha nativa da América do Sul. No Brasil o butiá é encontrado com mais facilidade em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Entre os personagens do vídeo, o recém falecido Seu Begé, extrativista catarinense e apaixonado pelo o que fazia. É só dar play pra conferir essa singela homenagem.
Mapa das Farinhas de Mandioca do Brasil
O Slow Food Brasil criou esse mapa onde são apresentadas comunidades da rede Slow Food que trabalham com a farinha. O mapa também aponta as farinhas que possuem Indicação Geográfica e são ligadas a sistemas agrícolas tradicionais registrados como patrimônio cultural do Brasil pelo IPHAN. Veja se já experimentou farinha desses locais!
Comidas de santos viram podcast
Religião e comida andam de mãos dadas. No Candomblé, então, isso é visível! As comidas de santo são o assunto do podcast Comida de santo, comida de gente do Prato Cheio. Aumente o som!
Anote na sua agenda!
Dia 22 de maio é o Dia Internacional da Biodiversidade. E uma das formas de manter a nossa é praticando uma agricultura baseada nos princípios da natureza, a agroecologia. Quem se interessa pelo assunto vai gostar do documentário ‘Guardiões da Terra - agroecologia em evolução’, que fala sobre o movimento agroecológico no Brasil.