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Uma família em quarentena Pai, mãe, três filhos e uma máquina 3D a imprimir viseiras de proteção individual para Proteção Civil

Já passa das dez da noite quando finalmente o dia acalma em casa de Belmiro e Rosa Luís e podemos conversar por telefone. Vivem numa aldeia de Penela, distrito de Coimbra, com os três filhos: João de nove anos, Maria de sete anos e Rita de quatro. A vida desta família mudou-se para dentro de casa desde que as escolas fecharam.

O casal começa por mudar de sítio porque estamos a conversar no escritório onde a impressora 3D está a fazer barulho. Belmiro, engenheiro electrotécnico, tinha algumas resistências a fazer ventiladores em casa, como algumas pessoas com impressoras 3D estavam a planear. «Um ventilador é sempre alguma coisa que faz suporte de vida e fazeres uma geringonça de 50 euros para fazer suporte de vida... Há uma complexidade que não me deixava tranquilo», diz.

Entretanto um fabricante de impressoras 3D, Joseph Prusa, da República Checa, decide pôr a sua «quinta de impressoras» a fazer máscaras de proteção individual.

Cada viseira demora duas horas a imprimir. O que é impresso é uma espécie de aro que dá a volta à cabeça, onde encaixa o acetato. Para construir a viseira é preciso elástico, acetato e um rolo de plástico para a impressora construir o aro.

tem de se estar de máscara e luvas e só podem ser entregues dois dias depois de serem imprimidas, para garantir que não há riscos de contaminação. Em casa de Belmiro e Rosa desde domingo à tarde, dia 22, já foram feitas 12. Por todo o país, há 500 voluntários por todo o país a imprimir em 3D «equipamento de combate pessoal à COVID-19». A plataforma APT3D reúne também quem quer receber material e faz junção.

Para Belmiro, construir viseiras «fazia sentido, as pessoas que têm impressoras 3D conseguem fazer e traz alguma mais-valia». «Perguntei a uma enfermeira e a um amigo médico e as respostas deles foram “e quando é que isso está feito? Eu vou já buscar um para mim”», explica. A ideia acabou por avançar com o apoio do presidente da Câmara de Penela. A partir daí, Belmiro começa a ser contactado por «supermercados, ARS do Centro, lares, enfermeiros, amigos de enfermeiros para saber como podem ter uma máscara destas». As que Belmiro faz são entregues à Proteção Civil de Penela que distribui consoante as necessidades.

Belmiro tem noção que este trabalho vai durar pouco tempo porque «já há na Marinha Grande um molde para fazer isto e faz mil por dia», além do material que o Governo está a comprar.

As mudanças em casa com a quarentena não passaram apenas pelo que é impresso pela impressora 3D. A mãe Rosa, professora do ensino básico, diz que «aconteceu tudo muito depressa, embora adivinhasse que as escolas fechariam. «Era um ambiente de grande instabilidade», conta. A duração, sim, não era esperada.

«Fazíamos a leitura de que teríamos de voltar a trabalhar nas férias da Páscoa. Quando ficámos em casa, eu não percebi logo. Só depois me caiu a ficha», revela a professora.

Ao perceber que as aulas não voltariam tão depressa, Rosa inquietou-se um pouco. «Pensei logo “O meu Rodrigo que precisa de mim para acabar o 2.º ano..." O que me tem ajudado é o que temos de meter na nossa cabeça. O esquema mental de escola que temos desapareceu por uns tempos. A minha irmã viveu o 25 de abril e dizia que naquele ano passaram todos. Não somos uns ET’s que agora nos aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido. Não. Vai ter de ser adaptável.» Nesta adaptação tão rápida que teve de acontecer, esta professora e mãe diz que tem-se guiado por um lema:

«O que é que é mais importante? É o Português e a Matemática ou é nós ficarmos bem?» A resposta parece-lhe óbvia.
João, Maria e Rita pintaram um arco-íris.

Ficar em casa exigiu «uma adaptação completamente diferente». Que adaptação tiveram de fazer? «Temos de coordenar coisas que antes estavam tratadas, como as refeições. Enquanto família, recorríamos a encomendar comida com alguma frequência. Agora não podemos. Noto principalmente no adaptarmo-nos a novos horários e a coisas tão práticas como: os nossos miúdos iam à rua com o calçado com que andam. Cortar estes hábitos não é fácil», conta Rosa. Uma das preocupações tem sido também o pai da casa. Belmiro tem doença de Crohn o que implica que quem deve sair de casa para as compras é Rosa.

Enquanto família com três crianças, este casal revela que foi «muito importante fazer um plano do dia», como explica Belmiro. Rosa acrescenta que todos os dias começam dizendo que dia do mês e da semana é e que atividade teriam e têm. «Também não sou nem quero ser muito rígida. Não dá para tudo. Eles andam imenso de bicicleta na rua», diz.

João, Maria e Rita «não têm bem noção do que se passa», explica Rosa, que acrescenta «não vão à escola, não estão com os amigos, mas como vivemos numa aldeia eles têm sempre muita coisa para fazer». Mas há muita coisa que mudou e a mais pequenina já percebeu que não terá festa de aniversário, no final de abril, com os amiguinhos. Provavelmente ainda estarão em casa em isolamento. Belmiro revela que «a grande importância é fazer o que podemos». Por isso, «vamos à Missa nesta mesa, temos a hora da catequese, está tudo adaptado e nos mínimos. Manter este ritmo é muito importante e muito saudável. Isto faz parte da vida».

«Vamos todos ficar bem», lê-se na legenda do arco-íris.

Enquanto professora, Rosa tem mandado alguns trabalhos aos pais dos seus alunos. Mas não muitos. «Mesmo se estivéssemos em aulas presenciais a última semana do segundo período é mais calma. Fazemos recortes, pinturas.»

Pessoalmente, Rosa revê-se na frase de um bispo que disse que Deus nestes momentos está nos médicos e enfermeiros.

«Eu não deixo de chorar, mas depois é perceber que faz parte e confiar e pronto. Sossega-me estar na Eucaristia. Sossegou-me viver a oração do terço em Fátima. Eu fiz a minha parte. Agora o que tenho de fazer é lavar as mãos, ter cuidado com os sapatos e ficar em casa», diz.

Já o marido, Belmiro revela que «acima de tudo é viver a fidelidade em cada coisa. Faço o almoço porque é aquilo que Deus me pede para fazer naquele momento. Deus e os miúdos e a barriga», diz a rir. Acrescenta, mais a sério, «é fazer o que Deus quer em cada pequenina coisa. Vai ser o que Deus quiser». «Ganhou uma nova dimensão aquela expressão “um dia de cada vez”», diz Rosa. E o marido acrescenta: «Temos de fazer alguns planos, temos de estar atentos às notícias, de nos precaver.»

Rosa é catequista e mantém contacto com os catequizandos. «É preciso manter o dinamismo», diz. «Enquanto mulher de fé também me tem ajudado ser uma mulher culta. Ajuda-me muito ter estudado História. Enquanto mulher de fé confio, rezo tenho esperança. Mas também tenho um contexto histórico que me ajuda a perceber que enquanto humana isto não é uma coisa que nunca aconteceu. Não, aconteceu e outras pessoas viveram.» Belmiro explica como vive: «Nós todos vivemos debaixo da condição humana. Muitas vezes, não temos essa noção, porque vivemos uma vida que não nos permite viver isso. Mas, na verdade, nós precisamos de respirar e temos de dar graças a Deus por isso. Temos de comer e temos de dar graças a Deus por isso. E temos de saber pôr no devido lugar cada uma das coisas.»

Texto: Cláudia Sebastião

Credits:

Fotos: Família Luís