Quem nunca viajou e quis levar pra casa uma lembrança do destino visitado?
fotos: arquivo Sabores do Bico
Algo que fizesse lembrar das paisagens bonitas e pessoas simpáticas?
Viajar é mesmo uma das melhores coisas da vida.
É aquele momento que a gente se abre para novas experiências, e quer vivenciar ao máximo o que aquele lugar tem a nos proporcionar.
E isso inclui, claro, os sabores locais. Quem dera eles pudessem ser levados embora na mala, não é mesmo?
Engarrafaram os sabores da cidade de Araguatins, norte do Tocantins.
Sendo um dos 25 municípios da região do Bico do Papagaio, na junção dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, Araguatins ganhou fama por suas praias de água doce e pôr do sol cênico.
Banhado pelo rio Araguaia, o município tem o privilégio de estar inserido nos biomas Cerrado e Amazônia. O que isso quer dizer?
Que as sócias tinham uma infinidade de frutos, ervas e até cipós para explorar nas cachaças e licores da marca Sabores do Bico.
A ideia de criar cachaças com sabores regionais para serem levadas como lembrança de Araguatins fez com que Aline e Luciane fossem em busca de um fornecedor de cachaça limpa de qualidade que também fosse da região.
Com a cachaça garantida, elas aprenderam a fazer infusão e começaram a produzir cachaça de murici, pequi, macaúba, catuaba, entre outros sabores, todas feitas artesanalmente pelas duas.
Entretanto, ainda faltava algo que fizesse as lembranças representarem ainda mais o município. Foi a parceria com um artesão local que completou a identidade que as duas empreendedoras buscavam.
Ele transformou restos de madeiras de móveis em suportes para as cachaças.
As Meninas da Sabores do Bico, como ficaram conhecidas, receberam moção de aplausos na Câmara Municipal de Araguatins por desenvolverem um empreendedorismo feminino que valoriza a região.
Engana-se, no entanto, quem pensa que a vida delas é dedicada somente à empresa.
Além das demandas de venda, produção, entrega, cobrança e até atuação como modelos e influencers da própria marca, elas são mães e esposas.
“Algumas vezes temos que juntar nossos filhos em uma força tarefa para produzir as bebidas”, conta Aline.
Ao perceberem que mesmo com a pandemia e a redução de turistas os produtos Sabores do Bico continuaram vendendo, tiveram a confirmação de que as cachaças e licores agradam também os habitantes locais.
O que então tinha sido criado como lembrança para os turistas em viagem à Araguatins, caiu no gosto da população da cidade.
e tem mais histórias nesta edição:
- Qual a receita de um amor perfeito? Saiba como história e tradição inspiraram esse biscoito muito especial!
- Conheça os frutos saborosos que estão brotando agora de um sonho que começou a germinar 50 anos atrás...
- Sabor do Cerrado: temperos típicos do Tocantins ajudam a criar a identidade queijeira do estado!
- O estado mais jovem do Brasil mostra que tem muito a oferecer: da gastronomia às belas paisagens!
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A doçura de um amor perfeito
fotos: Simone de Natividade
Foi exatamente isso que responderam simultaneamente Ana Benedita de Cerqueira e Silva e Teodoro Nunes da Silva, casados há 65 anos.
Tia Naninha e Dozim, como são carinhosamente chamados, representam aquele amor que acreditamos ser utopia. E provam que a parceria que construíram ao longo dos anos tem distribuído muitos amores perfeitos pelo Brasil afora.
A Casa do Amor Perfeito é um casarão no centro histórico de Natividade, a cidade mais antiga do Tocantins, cujo conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico foi tombado pelo IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1987.
Conheça um pouquinho mais do trabalho que acontece hoje nessa casa dando play no vídeo abaixo:
Natividade foi criada durante o ciclo do ouro, no período colonial, e é marcada por festividades religiosas, sendo a festa do Divino Espírito Santo a mais celebrada.
Dizem que foi exatamente para homenagear o Imperador do Divino, que o amor perfeito ganhou formato de coroa.
Apesar da cidade possuir outras boleiras que fazem o biscoito, somente os produtos Amor Perfeito da Tia Naninha têm uma história de amor por trás...
Muito pequena, Naninha já ajudava a fazer amor perfeito, que não era vendido, mas presenteado ou servido para quem visitasse a casa.
Quando Naninha assumiu a produção para fornecer às festas religiosas do município, seu marido fazia o corte da lenha para o forno e extraía o leite de coco, que ainda hoje é feito como antigamente.
Com mais de 100 anos de história, o amor perfeito é muito mais do que um simples biscoito. Ele é os saberes e fazeres do passado vivos pelas mãos de todos aqueles que foram ensinados por Tia Naninha.
Apesar de ser feito com ingredientes simples como polvilho, manteiga de leite, leite de coco e açúcar refinado, Tia Naninha explica que esses precisam ser de boa qualidade para se chegar ao ponto certo.
Mas não só isso. “Sempre trabalhei com prazer e alegria”, relata.
As muitas qualidades de Tia Naninha foram também reconhecidas pelo Senado, que em 2019 entregou a ela o Diploma Bertha Lutz, concedido a pessoas que se destacam na luta pelo protagonismo feminino na sociedade brasileira.
Mulher protagonista, mãe que já vivenciou a perda de uma filha, esposa companheira e dedicada, Tia Naninha é a concepção do amor...
O segredo do biscoito amor perfeito da Tia Naninha está no carinho com o qual sua equipe trabalha. Na casa dela, o amor perfeito é servido no café da manhã, mas quando ela recebe visitas, monta logo uma mesa com várias delícias incluindo, claro, o biscoito.
nossa sugestão de consumo, então, é harmonizá-lo com um chocolate quente feito com leite de coco.
AS FRUTAS E UM SONHO DE FUTURO
Sonhos que começaram a germinar muito antes de ela criar sua própria marca de polpas, a Font’fruti... E antes até de ela semear a terra.
Por isso, essa também é a história de João, Raimunda e da coragem de quem olha pro futuro.
Foi o que fizeram João e Raimunda...
O casal se mudou com os filhos do Maranhão pra Tocantins - na época ainda parte de Goiás. Compraram um pedaço de chão e começaram a plantação de grãos e frutas.
Sem saber, a família iniciava uma jornada de sucesso na Fazenda São Jorge.
Na verdade, tinha alguém que já sabia...
O pai, João, era um homem analfabeto com sabedoria à frente de seu tempo.
Quase como um mago da agroecologia, ele afirmava: “Aqui tem potencial. Um dia muitas indústrias vão vir pra cá, pra essa terra produtiva!”. Quando ele dizia isso, havia alguém com olhos e ouvidos bem atentos: a filha de 10 anos.
Ele percebia o interesse da menina e costumava levar a filha para ver as árvores frutíferas crescerem nos fundos do terreno.
E dizia: “minha filha, isso que você vê aqui em abundância, no futuro vai ser caro. A população vai aumentar tanto que o que a terra dá vai ser muito valorizado”.
A menina cresceu... Hoje Vayrene tem 57 anos e é dona da própria agroindústria.
Mas jamais esqueceu ou duvidou das previsões do pai.
“Meu pai era um homem muito inteligente, mesmo sem ler ou escrever. Tinha muita potência e visão. Eu tenho muita inspiração do meu pai até mesmo no manejo da fazenda.”
Com o tempo, a criação dos povoados de Barrolândia e Paraíso e a chegada de luz pelo programa federal Luz Para Todos marcaram o início de uma expansão na vida da agricultora.
Ela passou a armazenar as frutas para fazer sucos e comprou a primeira máquina de fazer polpas.
As frutas do Cerrado passaram a ser a base da renda de Vayrene e do marido...
A então produtora rural, esposa, mãe e avó se descobriu também empresária!
Ela foi atrás da regulamentação para construir a agroindústria dentro da fazenda e finalmente realizar os sonhos do pai: ver a tecnologia ajudar o povo do campo.
Depois de participar de cursos sobre processamento de frutas e receber apoio da Secretaria Estadual de Agricultura, ela foi construindo e adequando pouco a pouco o novo empreendimento.
Até que em 2020, o ano considerado o mais difícil da história recente para os negócios, o sucesso enfim aconteceu.
A família finalmente conseguiu o selo federal que faltava, pôde inaugurar a agroindústria da Font’fruti Polpas Naturais de Tocantins e viu a procura pelos produtos só aumentar.
Com a família toda envolvida, a Font’fruti passou a produzir 50 quilos de polpa por dia.
Além das feiras de Barrolândia e Paraíso, a empresária adaptou as vendas ao novo momento da pandemia e toda segunda-feira faz entregas dos produtos direto aos clientes - o chamado delivery.
São 16 sabores diferentes produzidos a partir de frutas orgânicas dos pomares da fazenda, como as tradicionais maracujá, graviola, araçá e mangaba.
Mas é um sabor original criado por Vayrene que mais chama atenção: Cajarola, uma mistura de cajá com acerola. “É uma delícia!”, diz a produtora.
Tinha que ser mineira a receita dos queijos que estão agradando os moradores de Palmas, Tocantins.
Vindos de todas as partes do Brasil para povoar a mais nova capital estadual do país, eles encontram um pouquinho da cultura queijeira de suas origens nos produtos da Fazenda Buritizal.
Frescal, meia cura e até mozzarella italiana estão entre as opções produzidas por Ariana Silva Braga a partir da receita da já falecida avó, Helena Souza, de Abaeté, Minas Gerais.
Mas o que vem mesmo chamando atenção na produção da fazenda são dois queijos: o Queijo Cerrado e o Amarelinho da Serra. Isso porque têm como inspiração o Cerrado, onde a Fazenda Buritizal está inserida.
Juntamente com seus pais, Jerônimo Pereira Braga e Maria do Carmo Silva, iniciou vida nova em uma fazenda na Serra de Taquaruçu, nas proximidades de Palmas.
Os três escolheram essa localidade da serra por dois motivos: clima mais ameno do que na capital, o que proporcionaria mais conforto às vacas, e distância curta até a cidade, o que permitiria a comercialização de produtos sem o auxílio de um atravessador.
Em 2017 os primeiros experimentos com queijos começaram a ser feitos. Na época, ainda não se tinha a pretensão de vender o produto, por isso foram testando mudanças na casca, maturação e temperos.
Ariana, responsável pela produção, buscava uma identidade para um queijo tocantinense.
Foi o olhar de artista plástica de sua mãe que a fez chegar ao que buscava. A ideia foi encerar o queijo meia cura com óleo de buriti e azeite de babaçu extraído a frio.
Com isso, o queijo já curado e de casca mais dura foi pintado na coloração amarela, dando origem ao Amarelinho da Serra, cujo sabor representa o “Tocantins mineiro”, explica Ariana.
Percebendo a riqueza que tinha a seu alcance, temperou um dos queijos com pimenta de macaco, um tempero nativo.
E assim mais uma criação veio à tona, o Queijo Cerrado, curado por 60 dias, que tem uma intensidade muito característica da região – picante, árida e úmida ao mesmo tempo.
O modo de fazer queijo da avó Helena, com apenas leite, pingo e coalho, é a base para todos os queijos que Ariana produz.
Quando ela entra na produção, a mágica acontece: “Todo o dia eu encontro com a minha avó na queijaria”, conta feliz por estar preservando a memória daquela que praticamente a criou até os 7 anos de idade.
A origem mineira de sua mãe e goiana sua e de seu pai faz com que tenham empatia com as pessoas quem vieram de fora morar no Tocantins. Eles e os outros abraçaram o estado como casa.
como produtores e cidadãos tocantinenses, querem dar representatividade ao Tocantins na fabricação de seus queijos.
Basicamente disso é feita a cultura de Tocantins.
Uma colcha de tradições e costumes costurada por pessoas como Naninha e Dozim...
Separado de Goiás em 1988, pouco a pouco Tocantins foi se firmando como destino queridinho do turismo natural.
Que dirá Jalapão e suas cachoeiras paradisíacas!
Mas essa região do Cerrado guarda muito mais do que beleza. Também oferece experiências intensas e afetivas para o paladar, de um jeitinho que só os tocantinenses sabem fazer.
É uma gastronomia feita de luta pela terra, coragem e criatividade.
E se a identidade gastronômica de um povo é o resultado de suas memórias e suas raízes, a comida típica de Tocantins tem um tempero único: a miscigenação!
“Mesmo sendo jovem, Tocantins tem cor, sabor e tradição. E o tocantinense tem o maior orgulho de construir isso, cada um colocando um pouquinho de si! Somos uma identidade em constante construção”, diz a engenheira de alimentos Verônica França, que é gerente de fomento à agroindústria na secretaria estadual de agricultura.
Há 2 anos, Verônica recebeu um desafio: mapear os principais costumes alimentares das famílias e definir uma identidade própria pra comida regional.
Ali começou uma jornada especial pelos quatro cantos do estado!
A pesquisa desvendou todas as pecinhas que formavam o sabor Curraleiro.
Esse nome que se dá à gastronomia tocantinense faz referência a uma raça de gado, já que o consumo de carne tem uma forte tradição na cozinha rural. Tradições que vieram das comunidades quilombolas, indígenas e na bagagem dos migrantes.
Aos poucos, foram ressignificadas na nova terra, ajudando a elaborar pratos únicos como o cuscuz recheado com chambari...
E a famosa paçoca de carne - uma iguaria que só tem lá e em breve pode virar patrimônio cultural!
Mas é do pomar que vem um dos sabores mais sentimentais pros tocantinenses: o pequi!
Histórias que Verônica quer ajudar a eternizar com o fortalecimento da identidade gastronômica.
Depois que a comida raiz foi mapeada, foram feitas capacitações e incentivo à agroindústria nas propriedades rurais. Estimular boas práticas e padronizar os produtos é um passo importante para vender o Tocantins também como destino gastronômico.
Em plena pandemia, os primeiros passos já foram dados: se criou uma rede de apoio ao agricultor e uma campanha para que os tocantinenses consumissem mais do local.
“A gente tem aqui um Cerrado de oportunidades...”
“Fizemos as pessoas enxergarem essa riqueza. A crise é uma ruptura, mas os produtores conseguiram se comunicar, se conectar!”, diz Verônica.
Para o turista que ainda não conhece o sabor Curraleiro, foram criados potinhos especiais colocados em pontos estratégicos.
Um saboroso cartão de visitas de toda riqueza sensorial que o Cerrado pode oferecer.
“Aqui nós resgatamos as memórias afetivas e colocamos toda essa ancestralidade dentro do pote. A gastronomia é uma ponte...”
“E o sabor curraleiro é muito bom, é fácil se encantar.”
Se você é produtor e também tem histórias cheias de sabor, conta pra gente:
Discutindo a reforma agrária
Já se perguntou o motivo pelo qual a reforma agrária volta e meia vira assunto entre grupos políticos? Pois é, a distribuição de terras no Brasil e sua ocupação são o tópico de um podcast que também relaciona a questão com o racismo.
Um alerta sobre nossos oceanos!
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O que é água?
A pergunta parece simples, mas será que você sabe mesmo a resposta? Esse vídeo de animação apresenta a importância desse bem comum essencial para a nossa sobrevivência. Assista com as crianças!
Conheça mais sobre as delícias do Tocantins!
O estado mais jovem do Brasil, cuja produção de alimentos é apresentada nesta edição, tem sim uma cozinha que o representa. O livro Raízes Gastronômicas do Tocantins, da chef Ruth Almeida, traz receitas afetivas que vão levar os sabores tocantinenses para a sua mesa.